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Authors
Abstract(s)
A vida em sociedade acarreta um conjunto de benefícios mas também de custos,
nomeadamente pela forma como facilita a transmissão de doenças, o que justifica a necessidade
de analisar esta problemática. As espécies sociais são aquelas que formam associações frequentes
com outros indivíduos, equilibrando as pressões do ambiente que atuam a nível cognitivo e
influenciam o seu comportamento. Quanto às diferentes formas de interação social, estas podem
ser classificadas como comensalismo, amensalismo, parasitismo e mutualismo, sendo que esta
última interação se reveste de uma relevância social significativa pela forma como beneficia
ambos os intervenientes, tal como acontece no mutualismo de limpeza em que o bodião limpador
obtém alimento ao remover ectoparasitas e outros elementos prejudiciais ao cliente. Sendo a
condição dos indivíduos influenciada pela vida em sociedade, será a complexidade deste modo
de vida a poder contribuir para uma mais elevada capacidade cognitiva. No entanto, e dado que
no decorrer das interações sociais que são criadas oportunidades para a transmissão de doenças,
torna-se fundamental reconhecer os indivíduos que se encontram doentes, permitindo a adoção
de estratégias que controlem a transmissão de doenças. O comportamento de doença inclui
diversas alterações em relação ao comportamento habitual dos indivíduos, como a letargia,
sonolência e anorexia, e é esse conjunto de alterações comportamentais que poderá tornar possível
o reconhecimento dos indivíduos que se encontram doentes. De entre as medidas que permitem
controlar a transmissão de doenças, e como a recente pandemia veio demonstrar, o distanciamento
social é uma estratégia simples e com elevada eficácia para controlar a disseminação de doenças,
existindo inúmeros registos de como o distanciamento social é aplicado em outras espécies que
não a dos seres humanos. O bodião limpador Labroides dimidiatus incorre num elevado número
de interações diárias e, apesar da preferência por muco, opta por remover e se alimentar de
ectoparasitas e tecidos não viáveis dos clientes, revelando uma capacidade cognitiva e
complexidade comportamental que o tornaram numa espécie amplamente utilizada em estudos
ecológicos e comportamentais. Surgiu também recentemente a perspetiva de os peixes limpadores
poderem constituir vetores para a transmissão de doenças, em resultado do elevado número de
interações diárias que efetuam. Através da sintomatologia que induz, o LPS permite o estudo do
comportamento de doença. Deste modo e por intermédio da estimulação imunitária induzida em
peixes limpadores, o objetivo desta dissertação foi avaliar se os peixes limpadores e seus clientes
manifestavam estratégias de distanciamento social, com recurso a três teste comportamentais: o
teste de preferência social, o teste de interação social e o teste de cooperação com audiência.
A nível experimental, foram utilizados como modelos biológicos os peixes limpadores
da espécie Labroides dimidiatus (n=23) e peixes clientes da espécie Acanthurus leucosternon
(n=3), sendo que os limpadores foram mantidos em tanques individuais, e foram divididos em 2
grupos experimentais de 11 indivíduos, o de teste e o controlo (o restante limpador foi utilizado
em testes intraespecíficos). A imunoestimulação foi realizada através da injeção intraperitoneal
de LPS, com os elementos do grupo de controlo a serem injetados com PBS (Phosphate-buffered
saline), e após a realização de todos os procedimentos experimentais, os indivíduos foram
sacrificados com MS (Morphine sulfate) e foi removido o baço para calcular o SSI (spleen
somatic-index) e validar a ativação do sistema imunitário. Para o teste de preferência social, os
indivíduos foram colocados na zona central de um tanque com 3 divisórias, sendo que nas câmaras
laterais eram colocados os estímulos (cliente versus NO (Novel non-social object) e limpador
versus NO). Após o período de aclimatação foram efetuadas as gravações de vídeo, sendo
posteriormente analisadas com recurso ao software ANY-Maze (Stoelting Europe, Ireland). No
teste de interação social os limpadores foram colocados num tanque com um cliente, e após o
período de aclimatação foi permitida a interação. As gravações de vídeo das interações foram posteriormente analisadas com recurso ao software Boris. Para determinar o possível ajuste do
comportamento alimentar os limpadores foram submetidos ao teste do efeito do observador, em
que após a fase de aprendizagem lhe eram apresentadas 2 placas (uma delas a representar o
observador) e onde deveriam maximizar os seus ganhos alimentando-se contra a sua preferência,
para posterior cálculo do bystander score. Todos os dados obtidos foram posteriormente
utilizados para análise estatística em R.
Em termos de SSI, os limpadores injetados com LPS apresentaram valores mais elevados
que os do grupo de controlo. Relativamente ao teste de preferência social, os limpadores
imunoestimulados apresentaram níveis reduzidos de atividade, quer para a distância total
percorrida quer para a velocidade média, em ambas as situações (cliente versus NO e limpador
versus NO). No entanto não houve diferenças significativas no tempo passado na proximidade de
qualquer dos estímulos. Quanto às interações, e ainda que os clientes continuassem com
comportamentos que demonstram a sua disponibilidade para interagir, os limpadores injetados
com LPS tiveram significativamente menos interações que os do grupo de controlo. Através da
análise do bystander score foi possível depreender que, enquanto os indivíduos do grupo de
controlo mostraram ser capazes de ajustar o seu comportamento alimentar na presença de
audiência, aqueles que tinham sido estimulados imunitariamente não ajustaram o seu
comportamento.
A ativação do sistema imunitário através a injeção com LPS foi validada com base no
cálculo do SSI. No entanto, a forma como tal ativação se traduz em alterações comportamentais
não é completamente conhecida, tendo sido demonstrado anteriormente que existem diversos
fatores, como o género e estatuto social, que influenciam os ajustes comportamentais e que
ocorrem em contexto de doença. Os resultados do teste de preferência social permitiram inferir
que não ocorreu preferência social, mas que também não ocorreu distanciamento social em
relação a qualquer dos estímulos. Considerando a importância do contexto social no
comportamento, assim como do tipo de relações estabelecidas, surge a possibilidade de os
comportamentos de doença terem sido suprimidos no sentido de evitar a perda dos benefícios da
vida social. Dadas as diferenças nos níveis de atividade, que foram inferiores nos indivíduos
injetados com LPS, é possível assumir que a letargia manifestada, que se inclui no comportamento
de doença, conduz a um auto isolamento passivo, o qual funciona no sentido de diminuir a
transmissão de doenças. Quanto às interações entre limpadores e clientes, observou-se uma
diferença significativa no seu número, com os limpadores injetados com LPS a interagirem
menos, ainda que os clientes continuassem a mostrar disponibilidade para interagir. Torna-se
necessário considerar a capacidade que os limpadores têm de considerar interações prévias para
decidir como ajustar o seu comportamento e as contingências associadas ao contexto, sendo lícito
considerar a capacidade de aprendizagem desta espécie para justificar o número reduzido de
interações. Em termos da capacidade de ajustar o seu comportamento na presença de uma
audiência, os limpadores injetados com LPS, contrariamente aos do grupo de controlo, não foram
capazes de ajustar o seu comportamento alimentar. Até que ponto estes resultados resultam do
comportamento de doença induzido ou resultam de outros fatores previamente identificados e
passíveis de influenciar o seu comportamento, como as características específicas do seu habitat,
é de alguma forma incerto. Em resumo, e ainda que não tenham havido indícios efetivos de que
quer os limpadores quer os clientes manifestem distanciamento social, e tendo sido validada a
ativação do sistema imunitário, a letargia e o número reduzido de interações poderão ser
considerados como mecanismos que indiretamente promovem o distanciamento social dos
limpadores em contexto de doença.
The benefits of sociality bring a hidden burden, as constant social interactions increase the probability of pathogen transmission. When facing diseases, simple strategies such as social distancing have proven effective in preventing disease spread. Cleaning interactions, are textbook examples of multispecies sociality, where cleaner organisms remove ectoparasites, diseased and injured tissue from a host. These interactions can be potential vectors of infectious diseases in reef fishes, being characterised as potential disease hotspots. The main aim of this dissertation was to determine if, in the context of infections, cleaner wrasses (Labroides dimidiatus) employ social distancing and other behavioural tactics to prevent disease spread within the context of cleaning interactions. To this end, the present study used LPS (bacterial lipopolysaccharides) immunostimulation to induce “sick” behaviour in cleaner wrasses without harming fish. After LPS immunostimulation, cleaners underwent three behavioural trials: the social preference test, the social interaction test, and the bystander cooperativeness test. In the social preference test, LPS-injected cleaners showed lower activity rates but no change in their social preference. Contrarily, during the social interaction test, cleaners reduced the number of interactions, despite clients' willingness to interact. For the bystander test, LPS-injected cleaners were unable to adjust their behaviour to be more cooperative. Reduced activity levels revealed lethargy, which may lead to passive self-isolation, allowing for some social distancing of healthy individuals. The findings of these experiments with immune-stimulated cleaners suggest that while feeling sick, they undergo changes in their behavior that can be viewed as a social distancing-like barrier that prevents disease spread.
The benefits of sociality bring a hidden burden, as constant social interactions increase the probability of pathogen transmission. When facing diseases, simple strategies such as social distancing have proven effective in preventing disease spread. Cleaning interactions, are textbook examples of multispecies sociality, where cleaner organisms remove ectoparasites, diseased and injured tissue from a host. These interactions can be potential vectors of infectious diseases in reef fishes, being characterised as potential disease hotspots. The main aim of this dissertation was to determine if, in the context of infections, cleaner wrasses (Labroides dimidiatus) employ social distancing and other behavioural tactics to prevent disease spread within the context of cleaning interactions. To this end, the present study used LPS (bacterial lipopolysaccharides) immunostimulation to induce “sick” behaviour in cleaner wrasses without harming fish. After LPS immunostimulation, cleaners underwent three behavioural trials: the social preference test, the social interaction test, and the bystander cooperativeness test. In the social preference test, LPS-injected cleaners showed lower activity rates but no change in their social preference. Contrarily, during the social interaction test, cleaners reduced the number of interactions, despite clients' willingness to interact. For the bystander test, LPS-injected cleaners were unable to adjust their behaviour to be more cooperative. Reduced activity levels revealed lethargy, which may lead to passive self-isolation, allowing for some social distancing of healthy individuals. The findings of these experiments with immune-stimulated cleaners suggest that while feeling sick, they undergo changes in their behavior that can be viewed as a social distancing-like barrier that prevents disease spread.
Description
Tese de Mestrado, Mestrado em Ecologia Marinha, 2023, Universidade de Lisboa, Faculdade de Ciências
Keywords
Labroides dimidiatus Imunoestimulação Comportamento de doença Preferência social Doença Teses de mestrado - 2023
