FPCE - Teses de Doutoramento
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Browsing FPCE - Teses de Doutoramento by Subject "Adolescentes - Psicologia"
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- Vulnerabilidade psicológica ao consumo ilícito de tóxicos na adolescênciaPublication . Geada, Manuel Luis de Carvalho, 1935-; Leal, Maria Rita Mendes, 1921-O objectivo do presente estudo é o de contribuir para o esclarecimento dos fenómenos psicológicos - afectivos e sóciocognitivos - implicados nos comportamentos socialmente desajustados, frequentes na adolescência, nomeadamente o desinteresse pelo trabalho escolar e o consumo ilícito de drogas. São discutidas algumas perspectivas teóricas mais relevantes e analisados dados empíricos por nós obtidos num estudo transversal com sujeitos dos 12 aos 18 anos. Pretende-se obter uma compreensão dos factores internos (relacionais) e externos (interaccionais) envolvidos no processo de ajustamento ou desajustamento psicosocial de modo a possibilitar uma intervenção psicológica que promova um desenvolvimento sócio-afectivo harmonioso, ou que eventualmente diminua preventivamente a incidência de comportamentos socialmente desaprovados. O quadro teórico da presente dissertação postula que a organização e o desenvolvimento dos afectos decorrente das fases precoces de separação-individuação por M.Mahler et al (1975) é determinante no ajustamento psicosocial e na adaptação posterior dos pré-adolescentes e adolescentes às tarefas próprias da sua idade. Por outro lado, defende-se que as experiências relacionais com as figuras parentais ou outras figuras importantes para o jovem, só são organizantes de um ponto de vista do desenvolvimento psicológico se compreendem um padrão de interacção comunicativa em que a ressonância afectiva constitua o veículo da confirmação do próprio e da sua busca inata de diálogo (Leal 1974). Postula-se, e procura-se mostrar, que é a organização das experiências afectivas, ligadas ao processo de separação-individuação na infância precoce - nomeadamente as vicissitudes da equilibração das pulsões libidinais e agressivas e a formação do objecto interno, cujos traços seriam observáveis na adolescência - que em última análise determina no indivíduo a evolução e estruturação das representações cognitivas do seu 'sistema do self", nomeadamente o seu auto-conceito (Piers-Harris 1986), o seu sentido interno de coerência (Antonovsky 1987), assim como o seu padrão afectivo-relacional (Leal & Geada 1990). Defende-se, no entanto, que a percepção que o sujeito tem do clima familiar em que se encontra inserido (Moos 1975) - especialmente a forma de organização interna familiar, a frequência de conflitos interfamiliares , o nível de controlo sobre os comportamentos dos filhos, a maior ou menor adesão a princípios ético-religiosos, ««gim como o efeito da presença ou ausência da figura paterna - interfere inevitavelmente na vivência libidinal e agressiva dos impulsos, assim como no padrão relacional interpessoal com os companheiros ou outros adultos, e tem reflexos importantes no auto-conceito, na auto-estima e de modo geral no "sistema do self". Consequentemente, seria a específica constelação daquelas estruturas do "sistema do self, interactivas entre si e com a dinâmica do clima familiar que explicaria finalmente o nível de ajustamento sócio-emocional dos adolescentes e o seu grau de adaptação social e familiar. Por outro lado, tendo em conta estudos recentes que confirmam a influência preponderante dos grupos de pares (peers) na iniciação e habituação do consumo ilícito de tóxicos (Oetting & Beauvais 1986;1987) procura-se mostrar que a atracção do adolescente pelos grupos de adolescentes desafiadores e transgressores das normas sociais - e geralmente consumidores de drogas ilícitas - é determinada antes de mais pela resolução menos satisfatória do processo de separação-individuação na sua revivência conflitual na adolescência (Blos 1967), na qual se hipotetiza haver uma predominância da agressividade sobre a libido na economia das pulsões instintuais expressa por sinais de prematura separação e distanciamento emocional às figuras parentais. Assim, seria este desequilíbrio pulsional, perturbador da consolidação de um bom objecto interno, que atrairia o pré-adolescente (por um mecanismo identificatório e de gratificação vicariante) para o convívio de um grupo desafiador e transgressor acabando desse modo por ser socializado nele e induzido à experimentação e consumo ilícito de tóxicos. Contudo, outros comportamentos igualmente desadaptados na adolescência - como o desinteresse pelo trabalho académico e o consequente insucesso escolar - parecem também ser reflexo deste desequilíbrio das pulsões libidinais e agressivas no processo de separação-individuação na adolescência. No entanto, diferentemente dos adolescentes consumidores de drogas, o padrão afectivo associado ao insucesso escolar parece indicar o predomínio da libido sobre a agressividade traduzido em maior imaturidade emocional e relacional. Oito hipóteses decorrentes deste enquadramento teórico foram objecto de testagem empírica numa amostra de adolescentes (n= 1030) com idades dos 12 aos 18 anos frequentando diversas instituições do ensino secundário do país. Os resultados encontrados apoiam substancialmente as hipóteses avançadas, tendo-se verificado que os adolescentes que se iniciam no uso das drogas estão significativamente mais distantes das figuras parentais, são mais agressivos e mais narcisistas que os adolescentes não consumidores do drogas, revelando globalmente uma maior conflitualidade e ambivalência no seu processo de separação-individuação na adolescência. Por outro lado, a posição intermédia observada do grupo de adolescentes não-consumidores (mas com amigos consumidores) nas variáveis relevantes do processo de separação-individuação, entre o grupo de consumidores e o grupo de controlo (não-consumidores e sem amigos consumidores), sugere ser o conflito em tomo da separação-individuação um factor determinante da adesão dos adolescentes (ainda não-consumidores) aos grupos de consumidores. Assim, de modo geral, os resultados deste estudo empírico apoiam a posição teórica defendida na presente dissertação de que a entrada no consumo ilícito de drogas na adolescência está estreitamente associada à resolução menos boa do processo de separação-individuação nesta fase do ciclo vital humano, vulnerabilizando o adolescente para estes comportamentos problemáticos. A permanência do adolescente no hábito de consumo ilícito de tóxicos e a sua fixação como toxicodependência crónica não é abordada nesta dissertação pois só um estudo longitudinal o permitiria. No entanto, tomando como dado assente que a porta de entrada na toxicodependência é a experimentação e o uso de tóxicos ilícitos (leves) na adolescência, a identificação dos factores psicológicos e sócio-familiares associados a essa iniciação pode constituir uma contribuição importante para caracterizar o futuro toxicodependente, o que se procurará pôr em evidencia através das implicações clínicas e preventivas do presente estudo.