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Authors
Abstract(s)
A dor - principalmente, se subjacente a condições crónicas - pode predispor ao desenvolvimento de depressão, bem como a pensamentos de morte, a uma incapacidade laboral e à disrupção das relações sociais do doente.
De acordo com alguns estudos, estima-se que a dor crónica afete mais de 30% da população mundial,2 sendo, deste modo, uma das causas mais comuns da procura por cuidados de saúde, para além de estar associada a uma diminuição da esperança média de vida.3 Até 2017, eram conhecidos, apenas, dois tipos de dor crónica: a dor nociceptiva e a dor neuropática.4 Contudo, neste mesmo ano, um terceiro tipo de dor, chamado dor nociplástica, foi introduzido pela International Association for the Study of Pain, que o definiu como sendo uma dor que surge na sequência de uma alteração na nociceção, ainda que não exista uma evidência clara de dano no tecido, de uma ameaça à integridade do mesmo - que promova a ativação de nociceptores periféricos -, ou, até mesmo, de lesão ou de doença ao nível do sistema somatosensorial.5 Neste sentido, a dor crónica pode resultar de diferentes mecanismos, pelo que o conhecimento destes, ao possibilitar o reconhecimento do tipo de dor apresentado pelo doente, permitirá um correto diagnóstico da condição, e, consequentemente, o recurso à terapêutica mais adequada, seja ela farmacológica ou não farmacológica, para o alívio desta dor.
A dor nociplástica pode, de facto, ser comum e desempenhar um papel importante em variadas condições associadas a dor crónica, nomeadamente, na fibromialgia.
Sendo este um tema recente, e tendo em conta o pequeno número de estudos que abordava, de facto, a dor nociplástica, optou-se por elaborar esta Scoping Review. Esta resultou de uma revisão sistemática da literatura efetuada com o objetivo de identificar estratégias que promovam o alívio da dor e melhorem a qualidade de vida dos doentes com dor nociplástica. Para tal, recorreu-se à estratégia PICOD. Participantes: adultos de qualquer género ou idade com dor nociplástica crónica não relacionada a patologia neoplásica. Todas as intervenções, levadas a cabo pelos estudos com o intuito de controlar ou proporcionar algum alívio neste tipo de dor, foram tidas em conta. Controlos/comparadores: foram considerados todos aqueles que eram
mencionados pelos autores dos estudos incluídos nesta revisão. Os outcomes foram: i) os relacionados com a dor (como a intensidade da mesma, a sua interferência nas atividades de vida diária, a incapacidade associada e a depressão ou a ansiedade); ii) os associados a qualidade de vida no âmbito da saúde. Por fim, somente, alguns desenhos de estudo eram incluídos: ensaios clínicos, randomizados ou não, estudos de caso-controlo e séries de casos.
A Cochrane, a PubMed, a Web of Science e a SCOPUS foram as quatro bases de dados utilizadas para a pesquisa levada a cabo entre fevereiro e abril de 2023. Nociplastic AND pain OR “nociplastic pain” foram os únicos termos de busca utilizados durante o processo. Posteriormente, procedeu-se à análise do título e do abstract de cada estudo obtido, para que, exclusivamente, os que fossem ao encontro dos critérios de inclusão, previamente, determinados, fossem considerados.
Esta Scoping Review inclui, deste modo, três estudos: um não-randomizado e duas séries de casos.
Para a avaliação da qualidade do primeiro recorreu-se à ferramenta ROBINS-I,7 e das séries de casos às ferramentas de avaliação crítica do Instituto Joanna Briggs.8 O estudo conduzido por Chimenti et al. foi considerado como tendo um risco moderado, ao passo que ambas as séries de casos, uma por Chapman et al. e outra por Rosado Caracena et al., foram classificadas como tendo um risco elevado de viés.
Dada a heterogeneidade dos resultados obtidos, e tendo em conta a avaliação da qualidade de cada um dos estudos incluídos nesta revisão, não foi elaborada uma meta-análise dos dados.
Chimenti et al. (Estados Unidos da América, 2020) conduziram um Ensaio Clínico Não Randomizado com 46 participantes: 23 deles com tendinopatia de Aquiles crónica e os outros 23 pertencentes ao grupo de controlo.9 Aos pacientes com tendinopatia de Aquiles, foi administrada uma injeção de anestésico local (ropivacaína), na área do tendão onde a dor era mais intensa. Os efeitos do anestésico começaram a ser sentidos nos 10 a 20 minutos seguintes à administração, tendo proporcionado um alívio da dor entre 6 a 8 horas. Antes e 30 minutos após a intervenção, eram realizados testes com o objetivo de compreender o impacte que a mesma tivera nos participantes. Estes eram contatatos no dia seguinte e uma semana após a intervenção, para que potenciais efeitos adversos da ropivacaína fossem apurados. A escala numérica de dor foi utilizada
para quantificar a dor e monitorizá-la no decorrer do estudo; o Inventário Breve de Dor possibilitou a avaliação da dor no seu todo e da sua potencial interferência na realização das atividades; o questionário do Victorian Institute of Sport Assessment-Achilles permitiu classificar os sintomas quanto à sua gravidade; o Sistema de Medição de Resultados Relatados pelo Paciente foi implementado para que os participantes pudessem relatar quaisquer sinais de depressão que pudessem surgir.
Chapman et al. (Estados Unidos da América, 2023) publicaram uma Série de Casos com cinco pacientes (três homens e duas mulheres; idade média = 55,4 anos).10 Nesta análise retrospetiva, todos os pacientes tinham sido diagnosticados com dor crónica nas articulações dos membros inferiores cuja possibilidade de possuir uma componente neuropática não era clara. Após uma resposta incompleta a terapêutica farmacológica otimizada, a fisioterapia, a injeções nas articulações e a outros procedimentos efetuados com a finalidade de proporcionar alívio da dor, todos os pacientes foram submetidos a um ensaio clínico - com uma duração de sete dias - que consistia na estimulação de um gânglio da raíz dorsal. A colocação dos elétrodos foi, previamente, determinada com base na inervação da articulação em causa e na localização da dor. Caso, deste ensaio, resultasse um alívio da dor superior a 50%, procedia-se à implantação de um neuroestimulador permanente. Para tal, antes do ensaio e durante o acompanhamento de 28 meses (média) efetuado a estes pacientes, foram implementadas escalas para avaliação da dor (Escala Numérica de Dor) e para monitorização da evolução do nível de incapacidade de cada paciente (Índice de Incapacidade de Oswestry modificado), e, neste sentido, do impacte que a intervenção pudesse ter na sua qualidade de vida (EuroQoL-5 Dimension).
Rosado Caracena et al. (Espanha, 2023) realizaram uma Série de Casos com sete pacientes diagnosticados com Síndrome de Dor Regional Complexa, de acordo com os critérios de Budapeste.11 Neste estudo retrospetivo, todos os pacientes com dor refratária foram submetidos a um ensaio - com uma duração de dois a sete dias - de estimulação de um gânglio da raíz dorsal cervical, após uma ausência de resposta analgésica a opioides, bem como a anticonvulsivantes e a antidepressivos, a terapêuticas não farmacológicas - como fisioterapia e terapia ocupacional -, e a outras intervenções, nomeadamente, a bloqueios simpáticos. Tal como a série de casos, anteriormente, mencionada, um implante permanente seria, igualmente, equacionado,
se, uma redução de, pelo menos, 50% da dor, fosse apurada por meio da Escala Analógica Visual. Para além desta, outro questionário foi aplicado com o intuito de se compreender se seria possível estabelecer uma relação entre o alívio da dor que seria expectável que a intervenção proporcionasse e uma melhoria na qualidade de vida dos pacientes a ela submetidos (EuroQoL-5 Dimension)
Para a elaboração da discussão, procedeu-se à comparação, por um lado, dos resultados obtidos pelos estudos acima referidos e, por outro lado, destes com outros apresentados por outros artigos; para tal, recorreu-se, novamente, à literatura.
Sendo a dor crónica uma entidade tão prevalente em todo o mundo, e de difícil gestão, a descoberta da dor nociplástica como sendo um terceiro tipo de dor crónica pode vir a revolucionar o tratamento da dor crónica tal qual hoje a conhecemos. No entanto, para uma melhor compreensão da dor nociplástica, bem como da sua gestão, é necessário desenvolver estudos adicionais, especificamente direcionados a este tipo de dor, para que uma evidência mais sólida sobre este assunto seja conseguida. Para além disto, investigações mais robustas, através da aplicação das estratégias já existentes para alívio da dor e do desenvolvimento de outras que se mostrem eficazes, em amostras maiores e mais diversas de doentes com dor nociplástica fornecerão recomendações mais concretas, a serem aplicadas na prática clínica, quanto à sua abordagem farmacológica e não farmacológica.
Background: Recently, the taxonomy of pain included a new entity called nociplastic pain. It is crucial to better understand this type of pain and its treatment. Objectives: This scoping review aimed to identify strategies for pain relief and improving the quality of life of patients with nociplastic pain. Methods: Cochrane, PubMed, Web of Science, and SCOPUS databases were searched for articles published from 2013-2023, written in English. Participants were adults with chronic non-cancer nociplastic pain. Any intervention and any control/comparator were accepted. Outcomes were any pain-related outcomes and health-related quality of life. A critical appraisal of sources of evidence was made. Results: Three studies were included, comprising one nonrandomized clinical trial and two retrospective case series, conducted in the United States of America (n=2) and Spain (n=1), with a moderate to high risk of bias. Participants were 58, suffering from chronic Achilles tendinopathy (n=1), multiple chronic pain conditions (n=1), and Complex Regional Pain Syndrome (n=1). Interventions were a local ropivacaine injection (n=1), and Dorsal Root Ganglion Stimulation/implantation of a neurostimulator system (n=2). Discussion: In the studies, pain-related outcomes improved (e.g., pain relief varied from 60 to 90%; and pain disability decreased from 50-100%) and, in general, quality of life increased. The recognition of nociplastic pain as a distinct entity, with specific management approaches, has the potential to bring about significant changes in the current approach to chronic pain. Conclusions: Further research is necessary, specifically targeting nociplastic pain, to establish a strong evidence base that enables a better understanding of it and provides effective strategies for its management.
Background: Recently, the taxonomy of pain included a new entity called nociplastic pain. It is crucial to better understand this type of pain and its treatment. Objectives: This scoping review aimed to identify strategies for pain relief and improving the quality of life of patients with nociplastic pain. Methods: Cochrane, PubMed, Web of Science, and SCOPUS databases were searched for articles published from 2013-2023, written in English. Participants were adults with chronic non-cancer nociplastic pain. Any intervention and any control/comparator were accepted. Outcomes were any pain-related outcomes and health-related quality of life. A critical appraisal of sources of evidence was made. Results: Three studies were included, comprising one nonrandomized clinical trial and two retrospective case series, conducted in the United States of America (n=2) and Spain (n=1), with a moderate to high risk of bias. Participants were 58, suffering from chronic Achilles tendinopathy (n=1), multiple chronic pain conditions (n=1), and Complex Regional Pain Syndrome (n=1). Interventions were a local ropivacaine injection (n=1), and Dorsal Root Ganglion Stimulation/implantation of a neurostimulator system (n=2). Discussion: In the studies, pain-related outcomes improved (e.g., pain relief varied from 60 to 90%; and pain disability decreased from 50-100%) and, in general, quality of life increased. The recognition of nociplastic pain as a distinct entity, with specific management approaches, has the potential to bring about significant changes in the current approach to chronic pain. Conclusions: Further research is necessary, specifically targeting nociplastic pain, to establish a strong evidence base that enables a better understanding of it and provides effective strategies for its management.
Description
Trabalho Final do Curso de Mestrado Integrado em Medicina, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa, 2023
Keywords
Dor crónica Dor nociplástica Gestão da dor Avaliação da dor Qualidade de vida Cuidados paliativos