Name: | Description: | Size: | Format: | |
---|---|---|---|---|
13.2 MB | Adobe PDF |
Abstract(s)
A grande diversidade de exoplanetas já detectados trás um vasto leque de oportunidades para a caracterização das suas atmosferas. Enquanto a maioria destes mundos não parece relembrar qualquer um dos planetas do Sistema Solar, outros podem parecer-se com alguns dos planetas mais próximos da Terra, ou
até mesmo com o nosso próprio planeta. Uma das técnicas de observação mais difundidas para a caracterização de atmosferas exoplanetárias chama-se espectroscopia de transmissão. O seu funcionamento
tem por base a passagem do planeta em frente à sua estrela hospedeira segundo a linha de visão de um
observador na Terra. Durante este evento, parte da luz estelar é filtrada pela atmosfera, sendo absorvida
por diferentes átomos e moléculas. A presença de certas espécies químicas é, então, inferida a partir
da detecção de linhas de absorção espectral em comprimentos de onda característicos de cada componente. Diversos estudos de composição química e de dinâmica atmosférica já foram possibilitados por
esta técnica no que diz respeito a gigantes gasosos quentes, começando-se agora a produzir os primeiros
resultados para planetas de dimensões terrestres. Por experienciarem um fluxo solar várias vezes superior
ao da Terra, as atmosferas de vários destes exoplanetas rochosos serão provavelmente mais semelhantes
à de Vénus do que à da Terra. Como poderemos então diferenciar entre estes dois tipos de ambientes
terrestres? Estarão as técnicas de caracterização atmosférica, até aqui optimizadas para planetas gigantes
gasosos próximos da sua estrela, prontas para esta tarefa?
Neste contexto, este trabalho analisa dados espectrais no infravermelho próximo obtidos pelo espectrógrafo de imagem DST/FIRS, durante o trânsito solar de Vénus de 5-6 de Junho de 2012. Graças ao seu
elevado poder de resolução espectral („90,000), foi possível observar um total de 87 linhas de fraca absorção molecular associadas aos dois isotopólogos principais de dióxido de carbono, 12C 16O2 e 13C 16O2.
Esta identificação foi realizada comparando as posições esperadas para linhas espectrais destas espécies
(disponíveis na base de dados HITRAN) com os comprimentos de onda onde foi detectada absorção atmosférica. Enquanto a observação de linhas espectrais intensas de CO2 é sugerida como forma de detectar
a presença de atmosfera em exoplanetas rochosos, estas assinaturas não deverão permitir diferenciar entre
potenciais climas à superfície. Contudo, a detecção adicional de linhas mais fracas de dióxido de carbono
permitirá, à partida, inferir uma maior abundância desta espécie atmosférica, sugerindo então a presença
de ambientes mais semelhantes a Vénus.
Para além da detecção de assinaturas espectrais de CO2, foi ainda possível identificar a presença de 5
linhas de absorção de monóxido de carbono, 12C 16O, no espectro de transmissão de Vénus. Esta espécie,
bem como ambos os isotopólogos de dióxido de carbono, puderam ainda ser detectadas com recurso à
técnica de correlação cruzada – frequentemente utilizada no estudo de atmosferas exoplanetárias. Esta abordagem envolve o cálculo de uma função de correlação entre o espectro de transmissão e um modelo
de transmissão atmosférico para cada molécula, permitindo combinar diversas linhas de absorção que estejam contidas nas observações num único perfil de linha médio com maior sinal. Para este efeito, foram
gerados modelos espectrais com recurso à ferramenta de transferência radiativa petitRADTRANS. Motivados ainda pela detecção de uma fina camada de ozono em Vénus ao nível das camadas atmosféricas
sondadas com estas observações, tirou-se também partido deste método de análise espectral para procurar detectar O3 no espectro de transmissão de Vénus, tendo sido possível recuperar um sinal tentativo
desta molécula com uma significância de detecção de 3.5 σ. Curiosamente, a detecção de monóxido de
carbono e ozono no espectro de transmissão de exoplanetas terrestres é considerada um forte indicador de
um estado de dessecação atmosférico, com implicações directas para estudos de habitabilidade. Os resultados deste trabalho reforçam assim a ligação destes constituintes atmosféricos com percursos evolutivos
semelhantes ao de Vénus.
A técnica de correlação cruzada assenta na precisão com que atualmente são conhecidos os comprimentos de onda onde cada espécie química absorve radiação incidente – uma peça central no funcionamento de modelos de transferência radiativa. Ao aplicar este método ao espectro de transmissão
de Vénus, foi possível avaliar a eficácia das actuais listas de linhas espectrais (em particular das bases
de dados HITEMP e HITRAN) para efectuar a detecção de espécies químicas sugestivas de ambientes
tipo-Vénus em exoplanetas rochosos. É também de destacar a sua capacidade para distinguir entre diferentes isotopólogos. A detecção de isotopólogos em atmosferas exoplanetárias abre portas a estudos de
rácios isotópicos capazes de informar sobre processos de formação e evolução planetária, cruciais para
contextualizar a diversidade de mundos além do Sistema Solar.
Neste trabalho foram ainda analisadas observações relativas a um trânsito do gigante gasoso WASP76 b, levadas a cabo pelo espectrógrafo óptico de alta resolução VLT/ESPRESSO. WASP-76 b pertence à
classe de exoplanetas que exibem dimensões semelhantes à de Júpiter, no entanto são encontrados a uma
curta distância orbital da estrela, várias vezes inferior à que separa Mercúrio do Sol. Esta proximidade
é responsável por elevar as suas temperaturas de equilíbrio acima de 2000 K, levando a que sejam denominados de Júpiteres ultra-quentes. As suas elevadas temperaturas promovem a presença de extensas
atmosferas que se tornam alvos ideais para estudos de espectroscopia de transmissão. Uma característica
central desta classe exótica de planetas é o seu regime de rotação acoplado por forças de maré, resultante
da grande proximidade à estrela hospedeira. Como consequência, um dos lados do planeta encontrase constantemente iluminado, enquanto que o outro experiência uma noite perpétua. Isto faz com que
um grande gradiente de temperatura seja estabelecido entre ambos os lados, o que origina processos de
circulação atmosféricos de larga escala.
A análise do espectro de transmissão de WASP-76 b permitiu a detecção de linhas de absorção
atómica, incluindo o dubleto de sódio (Na I D), a linha de Hα, linhas de cálcio ionizado (Ca II K&H), o
tripleto de magnésio (Mg I b) e a linha de ressonância de lítio (Li I). Cada uma das linhas identificadas
foi devidamente caracterizada através do ajuste de uma função Gaussiana, a partir do qual foi possível
estudar parâmetros como a largura da linha, a sua amplitude, ou o desvio da sua posição em relação ao
comprimento de onda no seu referencial de repouso. A análise de perfis de linhas espectrais permite extrair informação em relação aos mecanismos físicos que lhes dão origem, sendo assim possível revelar o comportamento geral da atmosfera a diversas altitudes. Este trabalho revelou um alargamento de linhas
de sódio de acordo com a presença de ventos verticais na atmosfera planetária, como já sugerido por
estudos anteriores. Para além disso, esta análise recuperou a assinatura de escape atmosférico de cálcio,
tendo sido estimada a presença desta espécie química para além do raio de Roche do planeta. De forma
geral, registou-se um deslocamento da maioria das linhas espectrais observadas para comprimentos de
onda inferiores àqueles esperados nos respectivos referenciais de repouso. Esta tendência assinala a presença de ventos responsáveis pela circulação de calor do lado diurno para o lado noturno do planeta – um
resultado frequentemente encontrado em estudos de Júpiteres ultra-quentes.
De forma complementar, foi realizada uma análise de correlação cruzada do espectro de transmissão
de WASP-76 b, recorrendo a modelos espectrais pré-concebidos para a caracterização desta classe de
atmosferas. Para além de permitir recuperar assinaturas das espécies atómicas incluídas na caracterização
de linhas individuais, a aplicação desta técnica permitiu a detecção adicional de bário ionizado (Ba II),
crómio (Cr I), ferro (Fe I), manganês (Mn I) e vanádio (V I). Todos os sinais de correlação cruzada
revelaram desvios das linhas de absorção, associados à circulação de energia do lado diurno para o lado
noturno do planeta sob a forma de ventos com diversas intensidades.
Este trabalho de mestrado constitui uma clara motivação para explorar a sinergia entre estudos do
Sistema Solar e a área das ciências exoplanetárias, destacando a espectroscopia de alta resolução como
uma ferramenta chave no avanço do conhecimento sobre a enorme diversidade de mundos por toda a
galáxia. A próxima geração de observatórios, tanto espaciais como no solo, procuram impulsionar novas descobertas ao nível das atmosferas planetárias, sendo de destacar os futuros contributos da missão
espacial Ariel, da Agência Espacial Europeia, e do Telescópio Extremamente Grande, do Observatório
Europeu do Sul.
The great diversity of exoplanets already detected comes with an abundance of opportunities for atmospheric characterization studies. Transmission spectroscopic observations have successfully probed the chemical composition and atmospheric dynamics of hot gas giants and begin to yield the first results for smaller rocky worlds. In this context, this work analyses near-infrared transmission spectra from Venus, as observed by DST/FIRS during the planet’s solar transit of 2012. Benefiting from a high resolving power („90,000), we could resolve distinct molecular absorption lines and disentangle between spectral features from the main isotopologues of carbon dioxide, 12C 16O2 and 13C 16O2, and carbon monoxide, 12C 16O. We performed cross-correlation analyses with spectral templates from petitRADTRANS, enabling detections of both CO2 isotopologues and CO, together with a tentative signal for atmospheric ozone on Venus. Our results highlight potential spectral observables to be expected for Venus-like exoplanet atmospheres, and showcase how current line lists offer sufficient precision to perform such detections with the crosscorrelation technique. In addition, this thesis presents an analysis of high spectral resolution, optical data from a single transit of the ultra-hot Jupiter WASP-76 b, as observed with VLT/ESPRESSO. We detect individual absorption lines from sodium, hydrogen, magnesium, lithium and calcium, and rely on the position and shape of these signatures to infer the presence of winds and atmospheric escape processes. Moreover, we apply the crosscorrelation method and report additional absorption signals from barium, chromium, iron, manganese and vanadium on WASP-76 b. This study provides a clear motivation to explore the synergy between Solar System research and the rapidly growing field of exoplanetary science, underlining its crucial role in advancing our understanding of the diverse worlds across the galaxy. Upcoming observing facilities, including the European Southern Observatory’s Extremely Large Telescope and the European Space Agency’s Ariel mission, are set to make significant contributions to this endeavour.
The great diversity of exoplanets already detected comes with an abundance of opportunities for atmospheric characterization studies. Transmission spectroscopic observations have successfully probed the chemical composition and atmospheric dynamics of hot gas giants and begin to yield the first results for smaller rocky worlds. In this context, this work analyses near-infrared transmission spectra from Venus, as observed by DST/FIRS during the planet’s solar transit of 2012. Benefiting from a high resolving power („90,000), we could resolve distinct molecular absorption lines and disentangle between spectral features from the main isotopologues of carbon dioxide, 12C 16O2 and 13C 16O2, and carbon monoxide, 12C 16O. We performed cross-correlation analyses with spectral templates from petitRADTRANS, enabling detections of both CO2 isotopologues and CO, together with a tentative signal for atmospheric ozone on Venus. Our results highlight potential spectral observables to be expected for Venus-like exoplanet atmospheres, and showcase how current line lists offer sufficient precision to perform such detections with the crosscorrelation technique. In addition, this thesis presents an analysis of high spectral resolution, optical data from a single transit of the ultra-hot Jupiter WASP-76 b, as observed with VLT/ESPRESSO. We detect individual absorption lines from sodium, hydrogen, magnesium, lithium and calcium, and rely on the position and shape of these signatures to infer the presence of winds and atmospheric escape processes. Moreover, we apply the crosscorrelation method and report additional absorption signals from barium, chromium, iron, manganese and vanadium on WASP-76 b. This study provides a clear motivation to explore the synergy between Solar System research and the rapidly growing field of exoplanetary science, underlining its crucial role in advancing our understanding of the diverse worlds across the galaxy. Upcoming observing facilities, including the European Southern Observatory’s Extremely Large Telescope and the European Space Agency’s Ariel mission, are set to make significant contributions to this endeavour.
Description
Tese de Mestrado, Física (Astrofísica e Cosmologia), 2025, Universidade de Lisboa, Faculdade de Ciências
Keywords
Atmosferas Planetárias Vénus Júpiteres Ultra-Quentes Espectroscopia de Transmissão de Alta Resolução Transferência Radiativa Teses de mestrado - 2025