Name: | Description: | Size: | Format: | |
---|---|---|---|---|
8.54 MB | Adobe PDF |
Authors
Abstract(s)
A tradução automática, que teve nas patentes registadas por Georges Artsrouni e Petr Troyanskii nos anos 30 do século passado a primeira abordagem consistente, sofreu, até ao final do século XX, diversos avanços e recuos no seu desenvolvimento. Contudo, a partir da década de 90, com a intensificação do fenómeno da globalização e a massificação da internet, tornou-se uma realidade incontornável, apesar da ainda muito débil qualidade dos seus resultados. A sua crescente utilização aliada ao desenvolvimento exponencial das tecnologias de informação e comunicação, trouxe ao século XXI um nível de aperfeiçoamento da tradução automática que fez com que, hoje em dia, estes sistemas estejam facilmente acessíveis e sejam utilizados tanto pelo público em geral como por tradutores profissionais, quer no seu trabalho individual quer ao serviço de agências e fornecedores de serviços linguísticos.
Esta melhoria da qualidade dos sistemas de tradução automática teve um contributo importante dos modelos baseados em redes neuronais, os chamados modelos de deep learning (DL) ou neural machine translation (NMT). Ao invés dos modelos baseados em regras e dos modelos estatísticos, bastante utilizados até meados da segunda década do século XXI, os modelos de DL utilizam algoritmos de Inteligência Artificial (IA) com várias camadas de redes neuronais que tentam imitar a forma como o cérebro humano perceciona a realidade e que, depois de treinados com enormes quantidades de dados, são capazes de produzir resultados com uma fluência considerável, embora sempre sujeitos a um trabalho de pós-edição por forma a garantir a coerência e qualidade da tradução.
Tendo a evolução e generalização da utilização destes sistemas ocorrido a um ritmo consideravelmente acelerado desde meados da década passada até aos dias de hoje, esta rápida disseminação não facilitou a aquisição estruturada de conhecimentos sobre a forma como os sistemas funcionam e sobre as implicações éticas envolvidas na sua utilização por parte dos intervenientes no processo e, em particular, por parte dos tradutores profissionais. Foi a tomada de consciência desta lacuna, sentida no meu trabalho enquanto tradutora e percecionada relativamente aos colegas que me rodeiam, que desencadeou a vontade de realizar este trabalho.
Numa primeira fase, foi identificado o problema: a falta de informação sobre a forma como os tradutores utilizam os sistemas de tradução automática e sobre a sua perceção relativamente aos desafios éticos dessa utilização. De seguida, foi definida a forma como se procederia à investigação do problema identificado, tendo-se concluído que o inquérito seria a ferramenta mais adequada para auscultar a opinião dos tradutores relativamente às diversas vertentes do problema, considerando a relativa facilidade de acesso a ferramentas para a sua elaboração, bem como uma considerável agilidade, quer na respetiva disseminação junto desta classe profissional, quer na recolha e análise dos dados.
Nesta fase do trabalho, foi de extrema importância e utilidade a colaboração com uma colega da Universidade de Tampere, na Finlândia que, dada a relevância do tema, iniciou a elaboração de uma dissertação paralela a esta, utilizando o mesmo método de investigação. Deste modo, houve um trabalho conjunto em diversas etapas do processo. Em primeiro lugar, definiram-se as questões a que o inquérito deveria responder:
-
Até que ponto estão os tradutores familiarizados com os sistemas de tradução automática?
-
Qual o impacto dos sistemas de tradução automática na atividade profissional dos tradutores?
-
Em que medida estão os tradutores conscientes das implicações éticas dos sistemas de tradução automática.
Seguidamente definiu-se o público-alvo:
-
Todos os tradutores profissionais, independentemente da área de especialização, desde que as suas línguas de trabalho incluam o português europeu e/ou o finlandês.
Finalmente, elaborou-se o inquérito, inicialmente em língua inglesa, que depois de testado por tradutores profissionais experientes e ajustado em função do resultado desses testes, foi traduzido para português e finlandês e enviado ao respetivo público-alvo nos dois países. Em resultado deste envio, no qual contámos com o apoio da Associação Portuguesa de Tradutores (APT) e da Associação Finlandesa de Tradutores e Intérpretes (SKTL), foram recolhidas um total de 85 respostas (32 ao inquérito em língua portuguesa e 53 ao inquérito em língua finlandesa).
Na presente dissertação são apresentadas e analisadas as respostas obtidas e feita uma breve comparação entre os resultados do inquérito realizado em língua portuguesa e os resultados do inquérito realizado em língua finlandesa. Para esse efeito, a dissertação está organizada em cinco capítulos com a seguinte estrutura: Primeiro capítulo – Introdução
Neste capítulo é introduzido o tema, a metodologia e os objetivos do trabalho.
Segundo capítulo - Enquadramento
Aqui é apresentada uma breve definição do termo “Ética” e é também feito um enquadramento teórico da IA, dos seus impactos positivos e negativos e das questões éticas que giram em torno desta tecnologia. Para tal, são referidos conceitos como o de Responsible Artificial Intelligence (AI) ou Trustworthy AI na aceção dada por organismos internacionais, como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), a Comissão Europeia ou as Nações Unidas, e é apresentado o AI Act (AIA), a primeira legislação que pretende regular a utilização da IA na União Europeia. É ainda apresentado um breve resumo histórico sobre a evolução dos sistemas de tradução automática, com recurso a Hutchins (2014) e são referidas as principais implicações éticas que surgem das diferentes vertentes de utilização destes sistemas, fazendo desde logo a ponte com a abordagem que estas implicações merecem no inquérito realizado junto dos tradutores profissionais. Para finalizar o segundo capítulo, apresentam-se três inquéritos realizados recentemente junto desta classe profissional que expõem diferentes perspetivas de abordagem do tema, nomeadamente, as razões para a adoção ou não dos sistemas de tradução automática por parte dos tradutores (Cadwell et al., 2017), a opinião dos tradutores sobre a pós-edição, os seus medos, anseios e preferências (Pérez Macías, 2020) e o modo como os tradutores utilizam estes sistemas (Farrell, 2022). De salientar que nenhum desses estudos foca as questões éticas, pelo que, mais uma vez, se confirma a relevância da abordagem feita pela presente dissertação.
Terceiro capítulo – Metodologia
No terceiro capítulo é feita uma descrição pormenorizada da metodologia utilizada para a realização do inquérito, tanto no que diz respeito ao modo como o questionário foi construído e testado, como em relação à forma como foram recolhidas e analisadas as respostas dos tradutores.
Quarto capítulo - Resultados
No quarto capítulo são apresentadas as perguntas incluídas no inquérito bem como analisadas as respostas a cada uma dessas perguntas. O capítulo divide-se em duas secções sendo a primeira aquela em que se analisam os resultados do inquérito em língua portuguesa, focando-se a segunda numa análise comparativa entre esse inquérito e o realizado em língua finlandesa. Em ambas as secções, os resultados são apresentados de acordo com a seguinte estrutura: (1) Perfil dos tradutores; (2) Conhecimento e utilização de sistemas de tradução automática; (3) Impacto da tradução automática no trabalho dos tradutores; (4) Questões éticas; (5) ChatGPT.
Quinto capítulo - Conclusões
Finalmente, no último capítulo, apresentam-se as conclusões deste trabalho, referem-se algumas das limitações encontradas e propõem-se algumas ações futuras. Essas ações visam o aprofundamento da investigação agora iniciada e sugerem algumas linhas orientadoras para uma melhor utilização desta ferramenta tecnológica e para a valorização do papel dos tradutores.
Das conclusões apresentadas, destacam-se os seguintes pontos: (1) os tradutores profissionais adotaram e integraram os sistemas de tradução automática no seu trabalho; (2) a generalidade do conhecimento adquirido nesta área teve origem em autoaprendizagem; (3) os tradutores reconhecem que estes sistemas são uma ferramenta incontornável, mas usam-nos com alguma apreensão e incerteza relativamente às implicações futuras; (4) a maioria dos tradutores considera os sistemas de tradução automática uma ameaça; (5) apenas uma minoria reconhece existirem benefícios e potencial na utilização desta tecnologia; (6) as preocupações éticas mais referidas, nas opções de escolha múltipla do inquérito, relacionam-se com o enviesamento dos resultados, a autoria, tanto dos dados de treino, como dos resultados da tradução automática, e o papel e estatuto dos tradutores; (7) outras preocupações expressas nas perguntas abertas são, por exemplo, a importância da literacia em sistemas de tradução automática, os riscos de desinformação, a possibilidade de substituição dos humanos por máquinas, ou o declínio das suas capacidades cognitivas; (8) existe uma carência de linhas orientadoras que guiem os tradutores durante este processo de mudança e adaptação.
Em face destas conclusões, são propostas algumas ações futuras, nomeadamente: (1) incentivar um esforço conjunto para promover a literacia sobre tradução automática e IA entre os tradutores profissionais e os estudantes de tradução; (2) motivar as associações de tradução para a inclusão de orientações nos seus códigos de conduta relativamente a uma utilização ética dos sistemas de tradução automática, valorizando o papel dos tradutores e o estatuto da profissão; (3) implementar cursos de formação certificados que permitam aos tradutores apresentarem-se como profissionais certificados em sistemas de tradução automática, contribuindo para a melhoria da pós-edição dos resultados de tradução automática e para a promoção do estatuto dos tradutores enquanto profissionais-chave neste ecossistema; (4) aprofundar a comparação entre os inquéritos português e finlandês; (5) alargar a aplicação do presente inquérito a outros países; (6) realizar um inquérito periódico para monitorizar o nível de sensibilização, aceitação e conhecimento dos sistemas de tradução automática por parte dos tradutores.
Despite the widespread adoption and accelerated evolution of Machine Translation (MT) systems since the middle of the 2010s, there has not been enough structured learning about how they function or the ethical issues surrounding their use, especially among professional translators. This dissertation presents responses gathered from a survey conducted among professional translators, aiming to address the following questions: (1) to what extent are translators familiar with MT; (2) what are the perceived implications of MT on the translators' professional activities; (3) how aware are translators of MT ethical implications? This research was done in collaboration with a colleague from Tampere University, who conducted the same survey with translation professionals in Finland. It received support for distribution from both the Portuguese and the Finnish translators’ associations. The main conclusions are: (1) MT was extensively adopted by translators and integrated into their workflow; (2) most of the knowledge about MT systems was self-acquired; (3) translators acknowledged MT systems as unavoidable tools but used them with apprehension about future implications; (4) the majority perceived MT systems as a threat and held negative sentiments towards them; (5) a minority recognised their benefits and potential; (6) the most frequently chosen ethical concerns were bias, authorship and translators’ role and status; (7) other concerns were the importance of MT literacy, apprehensions about potential disinformation risks, the replacement of humans by machines and the decline in cognitive human abilities; (8) there was a lack of guidelines to assist translators in navigating this process of change. Several future actions are proposed, namely: (1) to stimulate a combined effort to boost MT and AI literacy among translators, both professional and students, and to recognise their role and status; (2) to prompt translators’ associations to include guidelines in their codes of conduct for an ethical utilisation of MT systems; (3) to implement training courses that certify translators as MT systems specialists, enhancing the quality of MT post-edited translations and the status of the translators; (4) to further delve into the comparison between the Finnish and Portuguese surveys; (5) to expand the present survey by gathering responses from additional countries; (6) to set a follow-up survey to periodically monitor the level of acceptance and knowledge of MT systems.
Despite the widespread adoption and accelerated evolution of Machine Translation (MT) systems since the middle of the 2010s, there has not been enough structured learning about how they function or the ethical issues surrounding their use, especially among professional translators. This dissertation presents responses gathered from a survey conducted among professional translators, aiming to address the following questions: (1) to what extent are translators familiar with MT; (2) what are the perceived implications of MT on the translators' professional activities; (3) how aware are translators of MT ethical implications? This research was done in collaboration with a colleague from Tampere University, who conducted the same survey with translation professionals in Finland. It received support for distribution from both the Portuguese and the Finnish translators’ associations. The main conclusions are: (1) MT was extensively adopted by translators and integrated into their workflow; (2) most of the knowledge about MT systems was self-acquired; (3) translators acknowledged MT systems as unavoidable tools but used them with apprehension about future implications; (4) the majority perceived MT systems as a threat and held negative sentiments towards them; (5) a minority recognised their benefits and potential; (6) the most frequently chosen ethical concerns were bias, authorship and translators’ role and status; (7) other concerns were the importance of MT literacy, apprehensions about potential disinformation risks, the replacement of humans by machines and the decline in cognitive human abilities; (8) there was a lack of guidelines to assist translators in navigating this process of change. Several future actions are proposed, namely: (1) to stimulate a combined effort to boost MT and AI literacy among translators, both professional and students, and to recognise their role and status; (2) to prompt translators’ associations to include guidelines in their codes of conduct for an ethical utilisation of MT systems; (3) to implement training courses that certify translators as MT systems specialists, enhancing the quality of MT post-edited translations and the status of the translators; (4) to further delve into the comparison between the Finnish and Portuguese surveys; (5) to expand the present survey by gathering responses from additional countries; (6) to set a follow-up survey to periodically monitor the level of acceptance and knowledge of MT systems.