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Advisor(s)
Abstract(s)
O contexto de permanente crise globalizada que se desdobra nas narrativas do mundo nos leva a pensar em alternativas de transição, e a pensar em uma ética da possibilidade ou no desdobramento de múltiplas formas de autonomia a partir de perspetivas pluriversais. Lisboa tem sido um continuum rural e urbano desde a Idade Média até ao presente. Essa condição histórica levou seus habitantes a desenvolver um senso de lugar em torno das práticas agrícolas urbanas. Anteriormente com o objetivo de fornecer alimentos às diferentes comunidades governamentais, militares, religiosas e econômicas. Desde o início do século XX, Portugal optou pela produção agrícola em vez de assumir um papel no processo de industrialização. Isso significou que somados aos problemas macroeconômicos e políticos do regime, os níveis de pobreza, fome e inflação econômica, geraram grandes ondas migratórias. Mais tarde, durante os processos de urbanização e modernização da abertura democrática, os
espaços verdes vazios da cidade foram usados aleatoriamente pelos moradores para cultivar e colher alimentos de forma autônoma. Desta forma era comum encontrar certas espécies hortícolas nos recantos e pequenos espaços verdes sem dono. Em outras palavras, foi plantada onde havia a possibilidade. A partir da primeira década de 2000, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) começa a demonstrar interesse em gerir esses espaços autogestionários, pois sendo um espaço público vago estão sob sua responsabilidade. Isso contradiz as ações individuais e comunitárias desses pomares ditos "clandestinos". De tal forma que os processos de negociação e imposição começam com associações e movimentos que tentam manter sua autonomia, na maioria das vezes em vão.
Lisboa conta atualmente com 21 parques hortícolas urbanos, que são atribuídos a moradores dos bairros envolventes. Esta investigação tem como objetivo analisar os impactos, significados e práticas dos parques hortícolas de Lisboa nas comunidades dos hortelãos locais. Inicialmente, contei com o apoio da CML, que me permitiu conhecer com maior profundidade a visão institucional do programa. O trabalho de campo foi realizado em dez (10) parques hortícolas por meio de práticas de conversação e observação etnográfica com dezoito (18) horticultores quando estes se encontravam no espaço. As práticas hortícolas contemporâneas são cercadas por uma série de saberes e práticas que são replicadas geracionalmente. A diversidade nas origens dos hortelãos constrói múltiplos saberes que convidam ao seu aprofundamento. Cabo Verde, Bangladesh, Angola, Alentejo, são algumas das localidades que passam a ser representadas através de pequenas espécies de plantação e técnicas de cultivo particulares. Os motivos para os hortelãos se dedicarem a isso não são uniformes, porém o mais citado e fundamental foi o cuidado com a saúde mental e emocional. Nesses espaços, os utilizadores encontravam rotinas saudáveis, ocupações, movimentos corporais e até companhia e terapia através das plantas. Estes deixaram em evidência uma das doenças do século XXI e talvez do pós-modernismo como a solidão, principalmente dos mais antigos, os guardiões de muitos saberes agrícolas. Este facto associa-se a uma ausência de pessoal jovem nos parques hortícolas. Embora não se possa garantir que não haja participantes completamente jovens, sua dinâmica é muito baixa. Os motivos podem ser vários, falta de tempo no horário de trabalho ou de estudante, por exemplo. Mas também é evidente a crise de apropriação do espaço público em Lisboa por este grupo populacional. Da mesma forma, a interação intergeracional é escassa ou sujeita à vida doméstica. No entanto, no espaço público não é comum encontrar interações de qualidade entre si. A falta de interação não é um
problema exclusivo dos jovens. Uma vez que foi identificado como os parques hortícolas, ao obedecerem às políticas administrativas, priorizam elementos como a
securitização por meio de cercas altas; paisagismo estético, uma espécie de uniformidade visual para o embelezamento da cidade, acima das necessidades e práticas do próprio jardim; e uma vigilância moderada, mediada burocraticamente, por meio de notificações em papel, que notificam e controlam as microviolações das políticas e regras do parque. Lá, os espaços de partilha são reduzidos ou inexistentes, pelo menos na lógica da CML, pois não estão fisicamente previstos nem permitem a sua criação aos horticultores. Desta forma, uma prática de jardinagem é privilegiada principalmente pelo bem-estar individual dos participantes sobre a dinamização coletiva e aberta entre os jardineiros. Mesmo assim, as pessoas sempre encontram estratégias para compartilhar e jogar de acordo com as regras, como é o caso de quem trabalha com a família ou entre amigos em pequenos talhões divididos. As razões econômicas também fazem parte de alguns horticultores, embora em menor grau. Alguns argumentam para economizar dinheiro com o plantio regular de alimentos; para outros é importante compartilhar com toda a família, amigos e vizinhos. Há quem assegure que isso contribuiu para a segurança alimentar de suas famílias. Mesmo assim, vários hortelãos com menos experiência e mais focados na fruição da prática, afirmaram durante as conversas que não economizaram nada, pelo contrário, tentar manter a horta representou maiores gastos. Os impactos das mudanças climáticas são fundamentais nessa prática, pois começam a sentir em primeira mão os efeitos, das secas que persistem desde 2019, da necessidade de maiores quantidades de irrigação. Os altos níveis de luz solar, a qualidade do solo, que exige grandes quantidades de fertilizantes em muitos casos. Neste último, foi realizada uma análise das práticas de compostagem urbana, identificando o seu potencial na criação e enriquecimento de terras aráveis. Isso representa uma mudança de paradigma em relação ao valor dado aos resíduos orgânicos, porém seus tempos de produção parecem exigir apostas ainda maiores, que conseguem impactar a taxa de plantio dos atuais horticultores, criando redes de resíduos ainda mais amplas entre comunidades, compostores e logística de gestão. Embora seja verdade, são programas que estão em fase de desenvolvimento e crescimento, mas com potencial interessante. Outra das práticas do nosso tempo que não pode ser ignorada são os empreendimentos digitais verdes que se desenvolvem na internet e nas redes sociais. Esses projetos ou empreendimentos eco-comerciais estão se tornando cada vez mais relevantes, conquistando milhares de seguidores. Seu impacto parece ser significativo e eles estão demonstrando sua capacidade de espalhar a palavra. A atenção gira em torno de como essa
autorrepresentação hortícola ambientalista se traduz na realidade e para além da comercialização de serviços e produtos virtualmente romantizados. Recuperar a integridade das práticas ambientais envolve restaurar os atores. Ou seja, buscar maior participação em todos os níveis, como a neoliberalização da agricultura urbana consiste na individualização dos pomares. Uma prática a que poucos podem ter direito. Trabalhar na abertura de possibilidades para a promoção de práticas de agricultura urbana pode traçar alternativas de mudança em contextos complexos, onde as seguranças alimentares e energéticas começam a vacilar e se tornam pontos centrais de sustentação da vida.
The context of permanent globalized crisis that unfolds in the narratives of the world leads us to think about transition alternatives, and to think about an ethics of possibility or the unfolding of multiple forms of autonomy from pluriversal perspectives. Lisbon has been a rural and urban continuum from the Middle Ages to the present. This historical condition has led its inhabitants to develop a sense of place around urban agricultural practices. This research aims to analyze the impacts, meanings, and practices of Lisbon’s horticultural parks on local gardener communities. Initially, I relied on the support of CML, which allowed me to gain a deeper understanding of the institutional vision of the program. Fieldwork was conducted in ten (10) horticultural parks through conversational practices and ethnographic observation with eighteen (18) horticulturists when they were in the space. Contemporary horticultural practices are surrounded by a range of knowledge and practices that are generationally replicated. The diversity in the horticulturists’ origins builds multiple knowledges that invite further exploration. Cape Verde, Bangladesh, Angola, Alentejo, are some of the locations that come to be represented through small planting species and particular cultivation techniques. The reasons for the gardeners to dedicate themselves to this are not uniform, but the most cited and fundamental was the care for mental and emotional health. In these spaces, the elderly found healthy routines, occupations, body movements, and even companionship and therapy through the plants. These left in evidence one of the diseases of the 21st century and perhaps of post-modernism as loneliness, especially of the elderly, the keepers of much agricultural knowledge. Working on opening up possibilities for the promotion of urban agriculture practices can chart alternatives for change in complex contexts where food and energy security begins to falter and become central points of life support.
The context of permanent globalized crisis that unfolds in the narratives of the world leads us to think about transition alternatives, and to think about an ethics of possibility or the unfolding of multiple forms of autonomy from pluriversal perspectives. Lisbon has been a rural and urban continuum from the Middle Ages to the present. This historical condition has led its inhabitants to develop a sense of place around urban agricultural practices. This research aims to analyze the impacts, meanings, and practices of Lisbon’s horticultural parks on local gardener communities. Initially, I relied on the support of CML, which allowed me to gain a deeper understanding of the institutional vision of the program. Fieldwork was conducted in ten (10) horticultural parks through conversational practices and ethnographic observation with eighteen (18) horticulturists when they were in the space. Contemporary horticultural practices are surrounded by a range of knowledge and practices that are generationally replicated. The diversity in the horticulturists’ origins builds multiple knowledges that invite further exploration. Cape Verde, Bangladesh, Angola, Alentejo, are some of the locations that come to be represented through small planting species and particular cultivation techniques. The reasons for the gardeners to dedicate themselves to this are not uniform, but the most cited and fundamental was the care for mental and emotional health. In these spaces, the elderly found healthy routines, occupations, body movements, and even companionship and therapy through the plants. These left in evidence one of the diseases of the 21st century and perhaps of post-modernism as loneliness, especially of the elderly, the keepers of much agricultural knowledge. Working on opening up possibilities for the promotion of urban agriculture practices can chart alternatives for change in complex contexts where food and energy security begins to falter and become central points of life support.
Description
Dissertação para a obtenção do grau de Mestre em Antropologia
Keywords
Parques Hortícolas; Lisboa; Agricultura urbana; Compostagem; Etnografia; Empreendimento verde digital; Horticultural Parks; Lisbon; Urban Agriculture; Composting; Ethnography; Digital Green Entrepreneur.