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- Dos crimes rodoviáriosPublication . Reis, Sónia Maria Moreira Costa dos Santos; Palma, Maria FernandaCrimes rodoviários é a expressão comummente utilizada para referir os crimes que são praticados no contexto da circulação rodoviária. Trata-se de uma expressão para a qual concorre uma constelação de aspetos caraterizadores, porquanto agrega um conjunto de elementos comuns, presentes nos diferentes tipos de ilícito que os consagram, conjunta ou separadamente. Tais elementos são: o condutor, a condução, a via pública ou equiparada, o veículo, ora com ora sem motor, ou a obediência a ordens de autoridade emanadas com o escopo de fazer cumprir regras estabelecidas para garantir a segurança rodoviária. Os crimes em referência pressupõem maioritariamente a existência de um lugar de comissão próprio: a via pública ou equiparada. Todavia, a clareza com que se apresenta a denominação crimes rodoviários e a aparente facilidade com que se identificam os elementos do tipo que em geral os compõem, ocultam as sérias dificuldades que nesta sede se colocam. Desde logo porque não existe entre nós uma orientação unívoca no que respeita à identificação dos concretos tipos de ilícito que devam compor o universo dos crimes rodoviários. Concede-se que estão dispersos por três fontes legislativas: o Código Penal, o Código da Estrada e o Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, e que tal pode constituir uma adversidade no momento de identificar os crimes que efetivamente se devem ter por rodoviários. Mas isso não pode obstar a que se reflita dogmaticamente sobre o problema. E a verdade é tem sido pouca a reflexão neste domínio. Talvez por isso que, no momento de identificar os concretos tipos de ilícito a reconduzir ao universo dos crimes rodoviários que emanam de cada um dos diplomas enunciados não haja consenso. A ausência de uma plataforma de entendimento comum relativa aos tipos de ilícito nos referidos compêndios normativos não se afigura benéfica, designadamente no plano das orientações de política-criminal a acolher para este concreto domínio, pois que se não se identificam pacificamente os tipos de ilícito que compõem a realidade descrita podem surgir aporias de ordem variada. Crê-se por isso estar perigada a consideração conjunta que se revela necessária aos operadores legislativos para efeitos de eventuais alterações legislativas. Ora, o presente estudo pretende ser um contributo neste domínio, tendo como ponto central de investigação a clarificação de uma questão controversa: saber se as penas principais a aplicar ao universo dos crimes rodoviários se devem restringir àquelas que se encontram atualmente no ordenamento jurídico-penal português, concretamente a pena de prisão e a pena de multa, ou se, ao invés, e à semelhança do que sucede já em outros países, se deve ir mais além daquele elenco de penas principais, enriquecendo-o. A análise desse concreto problema implica a montante estudo e depuramento daqueles que se devem ter por crimes rodoviários e para isso impõe-se apurar se existe e quais os contornos de um eventual elemento agregador comum. Com tal desiderato, começa-se por investigar os termos da tipificação legal dos crimes relacionados com a circulação rodoviária. Para esse efeito, analisa-se a respetiva evolução histórica. É o que se faz desde as primeiras regulamentações avulsas, de pendor marcadamente técnico, que começaram por surgir no início do século XX, depois superadas pelo movimento de codificação, iniciado em 1928 com o primeiro Código da Estrada, movimento que não mais se abandonou. O percurso que se faz nessa análise demonstra que embora os diplomas dedicados ao âmbito rodoviário até pelo menos aos anos cinquenta do século XX tivessem natureza penal, não tipificavam ainda verdadeiros crimes rodoviários. Esta é uma questão controversa a que se dedica estudo aturado, com o propósito de demonstrar as importantes modificações dogmáticas e legislativas ocorridas ao longo do século XX neste domínio. Modificações que determinaram a passagem de uma notória influência juspenal francesa para uma outra germânica, que permanece até ao presente. Assim se apurarão quais os crimes relacionados com a circulação rodoviária consagrados. Note-se que o percurso assinalado não demonstra ainda quais sejam os crimes rodoviários, antes os que se relacionam com a circulação rodoviária, pois que um tal apuramento convoca considerações ulteriores em torno da questão de saber se existe e como se constrói eventual elemento agregador comum dos denominados crimes rodoviários. O elemento agregador de que se parte é o bem jurídico. Dogmaticamente são diversas as linhas de orientação que têm surgido no que respeita ao modo de construção dos bens jurídicos e bem assim no que se relaciona com a identificação da titularidade respetiva. De um lado surgem as conceções monistas, de outro as dualistas, com diferentes concretizações. Curar-se-á particularmente da conceção monista-pessoal e da conceção dualista, de referente pessoal de uma banda e de pendor dualista coletivo, comunitário ou social de outra. O propósito é o de demonstrar se existe, como se constrói e como se fundamenta, em cada uma das conceções enunciadas, um bem jurídico no contexto dos crimes relacionados com a circulação rodoviária. Toma-se então posição e elege-se o bem jurídico universal segurança rodoviária, que depois se experimenta, buscando do rendimento respetivo nos planos transcendente e imanente ao Direito Penal. Assim se dará fundamento ao porquê do bem jurídico identificado e determinar-se-á qual o concreto elenco de crimes rodoviários a considerar. Repensa-se então o sistema de penas principais consagrado. Para isso buscam-se em ordenamentos jurídicos comparados outras soluções alternativas às penas de prisão e de multa. Deles resultam soluções diferenciadas, mas enriquecedoras, que devem ser tomadas em linha de conta, não só do ponto de vista da diversidade das penas principais que se encontram, mas também por outras aproximações que consagram, nomeadamente a reparação, percebida no contexto da Justiça Restaurativa (Restorative Justice). Procura-se fundamento para eventuais alternativas no contexto nacional. A Constituição da República Portuguesa não determina quais as espécies de pena que o legislador penal deve consagrar e também não toma partido expressamente quanto àqueles que devem ser os fins buscados com a aplicação das penas. Não obstante, há orientações emanadas dos princípios constitucionais aplicados ao foro penal que urge observar. O caráter de ultima ratio do Direito Penal não se impõe apenas no plano da decisão sobre a tutela de bens jurídicos, pois que abrange ainda o modo concreto como os bens jurídicos devem ser tutelados. Quer dizer, oferece orientações no domínio das penas, maxime quanto à restrição da liberdade, que deve ser a mínima indispensável. Ponderadas as orientações de política-criminal, haverá ainda que fazer penetrá-la na dogmática jurídico-penal, para com isso encontrar fundamento para eventuais alternativas de punição a título principal também nessa sede. Em Portugal, a preferência por penas não privativas da liberdade resulta de um processo de evolução histórica que tem marcado essa tendência. Todavia, a tendência apenas se faz sentir no plano das penas de substituição, não no das principais, que se resumem à pena de prisão e à pena de multa. Há então que repensar o sistema de penas principais, determinando se existem outras penas que reúnem os requisitos necessários para poderem ser elevadas a penas principais no contexto dos crimes rodoviários, e, em caso afirmativo, qual ou quais delas devem ser consideradas para o efeito. Por outro lado, sabe-se que existem já entre nós aproximações reparadoras ao crime no contexto da Justiça Restaurativa. São aproximações que de certo modo são ainda dúbias no plano do Direito Penal substantivo. Porém, a verdade é que são cada vez mais as vozes que lhe reconhecem relevância, sobre o que urge refletir por referência ao concreto domínio dos crimes rodoviários. Apresenta-se, a final, um quadro. É um quadro desenhado com propostas e pintado com o que se julgam ser novas possibilidades de dogmática punitiva a título principal para os denominados crimes rodoviários.