Pimentel, Madalena Maria VilelaSepodes, Bruno Miguel NogueiraRibeiro, Joana Rodrigues2023-07-072023-07-072023-01-302022-12-16http://hdl.handle.net/10451/58528Tese de mestrado, Regulação e Avaliação do Medicamento e Produtos de Saúde, 2023, Universidade de Lisboa, Faculdade de Farmácia.O aparecimento da resistência aos antibióticos por parte das bactérias, apesar de incorretamente considerado um novo problema devido ao alarmismo criado pelos mídia, esteve sempre presente, mesmo antes da introdução da terapêutica antibiótica e é hoje abordada como uma crise global. Esta crise hoje vivida é assim considerada devido à ineficácia no combate às infeções bacterianas causadas por bactérias multirresistentes. Através da expressão de genes de resistência, as bactérias tomam partido de mecanismos de resistência e alterações bioquímicas e estruturais, neutralizando a eficácia dos antibióticos, e promovendo a própria infecciosidade e sobrevivênciabacteriana. A resistência aos antibióticos pode ser intrínseca e está naturalmente presente no organismo, relacionada com a fisiologia da bactéria, ou pode ser extrínseca sendo adquirida ou adaptada. A acumulação da resistência antimicrobiana acontece principalmente devido à aquisição de genes de resistência, através da transferência horizontal de genes, mas pode também acontecer através de mutações nas bactérias. Quando expostas a uma pressão externa, como a exposição aos antibióticos, as bactérias que adquiriram mecanismos de resistência terão vantagem em relação às outras bactérias suscetíveis, sobrevivendo e replicando-se. O uso incorreto e abusivo dos antibióticos na agricultura, produção animal e medicina levou a uma das grandes emergências de saúde pública global. De facto, foi estimado que, anualmente, as infeções causadas por bactérias resistentes aos antibióticos causaram cerca de 700,000 mortes globais e que, se a situação não for controlada, pode chegar a 10 milhões de mortes globais, em 2050. É necessária uma reforma no que diz respeito à disponibilização e utilização dos antibióticos por parte do ser humano de forma a controlar o uso despropositado e desmedido destes produtos antimicrobianos que deveriam apenas ser usados para tratar doenças causadas por bactérias patogénicas. Por exemplo, nos Estados Unidos, 80% dos antibióticos disponibilizados no mercado são utilizados para a produção alimentar. Este tipo de comportamentos precisa de ser alterado começando pela disponibilização desmedida dos antibióticos, à desinformação relativamente ao assunto na população geral, mas principalmente nos profissionais de saúde, ao diagnóstico empírico e incorretas prescrições, à incorreta dosagem ou incumprimento do regime terapêutico por parte dos pacientes, à falta de controlo sanitário para a correta eliminação de resíduos antibióticos, etc. No entanto, mesmo que estes comportamentos fossem agora alterados, as bactérias já apresentam mecanismos de multirresistência aos antibióticos existentes, o desenvolvimento de novos antibióticos é cada vez mais lento e desinteressante para as indústrias farmacêuticas e são escassas as alternativas antimicrobianas. Os bacteriófagos ou fagos, são vírus que infetam, exclusivamente, bactérias com a possível finalidade de as eliminar por lise celular. Esta alta especificidade bacteriana dos fagos sugeriu a inúmeros cientistas a possibilidade de criar uma terapia antimicrobiana baseada nos bacteriófagos: a terapia fágica. Felix d’Herelle foi o responsável pela descoberta oficial dos fagos mas foi também o impulsionador da aplicação terapêutica destes vírus para combater infeções bacterianas, desenvolvendo vários estudos clínicos. Em parceria com o bacteriologista George Eliava, d’Herelle possibilitou a produção de preparações de fagos que foi replicada por todo o mundo a nível comercial. Diversas implicações históricas e políticas atrasaram o desenvolvimento da terapia fágica, mas o maior inimigo à evolução desta terapia inovadora foi a introdução dos antibióticos na prática clínica no início dos anos 40. A terapia fágica continuou a ser desenvolvida em alguns países de leste, pertencentes à ex-União Soviética, mas a Europa ocidental rejeitou este novo conceito, apoiando-se nos antibióticos. No entanto, dada a crescente crise global, dos últimos anos, relativa à multirresistência das bactérias aos antibióticos, à ineficácia dos antibióticos existentes e à escassez de alternativas, a terapia fágica (re)surge como um excelente candidato. Comparada com os antibióticos a terapia fágica apresenta diversas vantagens como a alta especificidade para um determinado hospedeiro bacteriano, evitando o contacto com bactérias comensais benéficas para o organismo, e por consequente, apresenta menos efeitos secundários quando administrado; por ser o organismo mais diverso do mundo o seu isolamento seria mais fácil do que a dependência dos antibióticos em processos laboratoriais para a sua disponibilização; os fagos têm a capacidade de auto replicação e como tal as dosagens e regimes terapêuticos seriam mais curtos do que os antibióticos, etc. Algumas desvantagens da terapia fágica como o espetro reduzido, a falta de eficácia, a possibilidade da emergência de resistência bacteriana aos fagos e de transdução de genes de resistência antibiótica podem ser ultrapassadas através da combinação de diferentes fagos que infetam a mesma bactéria, ou de diferentes fagos que infetam diferentes bactérias, numa mistura denominada cocktail. No entanto, comparada com os antibióticos que representam uma terapêutica bem estabelecida com décadas de experiência clínica e com métodos de produção industrial padronizados, a terapia fágica carece de evidências clínicas e pré-clínicas assim como de métodos de produção viáveis e sustentáveis, e que, por necessitar de uma adaptação geral da medicina moderna e por mostrar incompatibilidade com os diferentes esquemas regulamentares globais, tem visto a sua introdução no mercado farmacêutico algo dificultada. A terapia fágica pode ser desenvolvida seguindo duas abordagens diferentes: como uma preparação de composição fixa, preparada industrialmente para ser amplamente distribuída pelo mercado farmacêutico (prêt-à-porter) ou pela preparação de uma mistura de fagos previamente isolados e guardados em bancos específicos, e posteriormente selecionados seguindo uma prescrição adaptada ao paciente, o que resulta num produto final de composição variada (sur mesure). Esta última abordagem foi desenvolvida para que as características únicas dos bacteriófagos possam ser exploradas ao nível terapêutico desenvolvendo uma abordagem mais sustentável e viável. Tanto na Europa como nos Estados Unidos, a terapia fágica foi considerada um medicamento biológico, apesar de as jurisdições pertencerem a oficinas diferentes, na Europa pertencente aos medicamentos biológicos nos Estados Unidos o Office of Vaccines Research and Review (OVRR) pertencente à oficina dos biológicos. Devido à sua natureza biológica e ao facto de ser considerado um medicamento anti-infeccioso, os produtos à base de fagos requerem a atribuição de uma autorização de introdução no mercado através do processo centralizado. O processo centralizado obriga a seguir padrões clínicos, de produção e de distribuição incompatíveis com o desenvolvimento de preparações de fagos personalizadas e as organizações e empresas interessadas em desenvolver estes produtos ainda não conseguiram introduzir estes produtos no mercado. De forma a contornar este problema, diferentes países europeus e os Estados Unidos têm vindo a desenvolver a terapia fágica seguindo o uso compassivo de fagos para pacientes com infeções bacterianas resistentes a necessitar de alternativas terapêuticas. No entanto, esta abordagem apenas permite o uso esporádico e urgente de fagos terapêuticos, sem conseguir explorar o verdadeiro potencial da terapia fágica. A implementação desta terapia dentro dos esquemas regulamentares existentes só é possível se estes forem alterados, adicionando novas categorias e/ou modificando as definições existentes. No entanto, a terapia fágica pode servir-se da experiência de outros medicamentos que, tal como esta terapia, se apresentam complexos ou particulares e que, também estes, viram a sua introdução regulamentar dificultada. De forma a contornar essas dificuldades, diversas exceções e novos conceitos foram introduzidos e estão hoje implementados. Com base na experiência destes medicamentos e seguindo a abordagem implementada na Bélgica: a fórmula magistral de fagos, a terapia fágica poderia ser implementada e introduzida nos esquemas regulamentares seguindo um processo centralizado. Desta forma seria possível implementar a terapia fágica ao nível do mercado farmacêutico europeu, americano e internacional e possivelmente ver resolvida a crise de saúde pública global corrente.In recent years, a global health crisis has emerged, mainly driven by the ineffectiveness in fighting pathogenic bacteria causing deathly infections. Bacteria have evolved to become resistant to antibiotics at an exceedingly fast rate which resulted in multi-drug resistant bacteria for some of which no available antibiotic is effective. The urgency in finding a new therapy against pathogenic bacteria combined with the possibly beneficial antibacterial features of bacteriophages resulted in the re-emergence of phage therapy. Phage therapy is the study and application of bacteriophages to be therapeutically used against bacteria. Even though this therapy was developed many years ago, it was forgotten following the introduction of antibiotics, in the Western world. In the East, phage therapy was kept going and introduced in clinical practice as a common medicine. The re-emergence of phage therapy in the West has been taking a slow pace since not enough non-clinical and clinical data has been gathered to ensure safety and efficacy of phage products. However, the main obstacle for phage therapy implementation is the current pharmaceutical legislation and its inflexibility regarding personalized medicines. Europe and USA frameworks are designed for industrially-made pharmaceuticals to be largely distributed. Even though phage therapy can be developed following this path, a more sustainable option following a custom-made preparation for a specific patient that could better explore the unique characteristics of bacteriophages is not compatible with the current regulatory framework of medicinal products. Each national authority has adapted this new concept to its own regulation to nationally implement phage therapy. International organizations like EMA and FDA were pushed to intervene and are following the initiatives launched at national level to try and implement a phage therapy inclusive regulatory framework.engPhage therapyAntimicrobial resistanceRegulatory frameworkPersonalized medicineEMATeses de mestrado - 2023Opportunities and regulatory challenges of phage therapymaster thesis203248880