Botelho, Hugo Miguel Raposo CorreiaCaleiro, Mariana Ferreira2025-01-1720242024http://hdl.handle.net/10400.5/97321Tese de Mestrado, Bioquímica e Biomedicina, 2024, Universidade de Lisboa, Faculdade de CiênciasA fibrose quística (FQ) é uma doença genética rara que afeta cerca de 160.000 pessoas em todo o mundo e cuja esperança média de vida ronda os 50 anos nos países desenvolvidos graças ao diagnóstico precoce e à disponibilidade de fármacos inovadores e eficazes. Esta doença afeta múltiplos órgãos, tais como as vias aéreas, os intestinos, o pâncreas, o fígado, e é causada pela herança de variantes patogénicas do gene do regulador de condutância transmembranar da fibrose quística (CFTR) em ambos os alelos. O gene CFTR codifica uma proteína com o mesmo nome e cuja função é conduzir iões cloreto (Cl- ) e bicarbonato (HCO3 - ) através da membrana plasmática (MP) das células epiteliais. A CFTR é um canal transmembranar composto por cinco domínios: dois domínios transmembranares (MSD1 e MSD2), dois domínios citosólicos de ligação de nucleótidos (NBD1 e NBD2) comuns entre os transportadores ATP-binding cassete (ABC), e um domínio regulador adicional (RD). Cada MSD é composto por 6 segmentos (TM1–TM6 e TM7–TM12) e forma o poro do canal que permite o fluxo transmembranar de Cle HCO3 - . NBD1 e NBD2 são essenciais para a regulação da CFTR, pois a sua dimerização dependente de adenosina trifosfato (ATP) é necessária à abertura (gating) do canal. Por fim, o RD consiste em uma região intrinsecamente desordenada cuja fosforilação por PKA leva à dimerização dos NBD. Aquando da síntese e enrolamento da CFTR no retículo endoplasmático, ocorre co-transducionalmente uma glicosilação que origina uma proteína imatura que será sujeita ao controlo de qualidade do retículo endoplasmático (ERQC). Encontrando-se corretamente enrolada, é transportada para o complexo de Golgi onde é concluída a glicosilação e alcançada a sua forma madura, que será depois transportada para a MP onde desempenhará a sua função. Até hoje, foram identificadas mais de 2100 variantes do gene CFTR, tanto patogénicas como não patogénicas. As variantes patogénicas podem comprometer o equilíbrio transepitelial de iões de diferentes formas. Atualmente, estas mutações estão agrupadas em 7 classes: Classe I inclui as mutações que prejudicam a produção de CFTR levando geralmente à degradação do mRNA (principalmente mutações nonsense); Classe II inclui mutações que resultam num enrolamento incorreto da CFTR e que levam à sua retenção pelo mecanismo de ERQC e subsequente degradação, reduzindo substancialmente o tráfego de CFTR para a membrana bem como a sua função. A p.Phe508del, a variante mais comum em indivíduos com FQ, é um exemplo de mutação de classe II; Classe III inclui as mutações que afetam o gating do canal; Classe IV inclui mutações que resultam na redução da condutância de Cle HCO3 - ; Classe V inclui mutações que levam à geração de mRNA aberrante por splicing alternativo; Classe VI inclui as mutações que resultam na destabilização da CFTR na MP, por aumento da endocitose ou diminuição da sua reciclagem de volta à MP; Classe VII inclui mutações conhecidas como irresgatáveis visto que inibem a síntese de mRNA e, consequentemente, de proteína CFTR. Quando a CFTR não se encontra funcional na MP, a absorção de fluidos e secreção de iões fica comprometida, o que leva á perda de homeostase transepitelial que resulta na produção de muco espesso. A presença de muco espesso e mais ácido que o normal compromete o normal funcionamento dos cílios resultando na obstrução das vias aéreas e no surgimento de infeções bacterianas recorrentes, capazes de desencadear respostas inflamatórias crónicas que levam à destruição progressiva do tecido pulmonar resultando eventualmente em insuficiência respiratória. A insuficiência respiratória é a principal causa de morbidade e mortalidade entre indivíduos com FQ. Só a partir de 2012, surgiram opções terapêuticas focadas não no controlo dos sintomas, mas sim na correção dos defeitos primários das variantes CFTR patogénicas – medicamentos chamados moduladores da CFTR. Os moduladores aprovados aumentam o enrolamento e o tráfego da CFTR (corretores) ou a abertura dos canais já presentes na MP (potenciadores). Atualmente estão aprovados pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e pela Food and Drug Administration (FDA) dos EUA quatro moduladores da CFTR: os corretores lumacaftor (VX-809), tezacaftor (VX-661) e elexacaftor (VX-445), e o potenciador ivacaftor (VX-770). Em 2019, uma combinação de alta eficiência composta por elexacaftor, tezacaftor e ivacaftor, conhecida comercialmente como Kaftrio, foi aprovada para uso clínico. No entanto, estes medicamentos inovadores estão disponíveis apenas para indivíduos com um ou dois alelos p.Phe508del-CFTR. Mesmo para genótipos p.Phe508del-CFTR, estes medicamentos – a única terapêutica que visa a origem da patologia – têm custo bastante elevado, tornando necessário o desenvolvimento de novas terapias para indivíduos portadores de p.Phe508del-CFTR. Por outro lado, apesar de ser a variante mais comum, é de extrema importância o desenvolvimento de opções terapêuticas para indivíduos com FQ portadores de outras variantes. O nosso grupo identificou anteriormente a cinase 5 do receptor acoplado à proteína G (GRK5) como um novo regulador da p.Phe508del-CFTR. Nesse estudo, a regulação de p.Phe508del-CFTR pela GRK5 foi confirmada por meio de silenciamento com siRNAs e inibição com compostos inibitórios específicos. Foi observado que a inibição da GRK5 pode restaurar o tráfego de p.Phe508del-CFTR para a MP e apresenta um efeito aditivo a moduladores de CFTR usados atualmente. No entanto, a base molecular para a regulação de p.Phe508del-CFTR por meio de GRK5 é desconhecida. As cinases do recetor acoplado à proteína G (GRK) são serina/treonina cinases conhecidas por modularem a sinalização de recetores acoplados à proteína G (GPCR), através da sua dessensibilização. Este processo canónico é comum a todas as GRK (GRK1-7) e essencial para a proteção das células e tecidos contra a exposição prolongada a ligantes bem como sustentar a resposta fisiológica contínua a estímulos. A GRK5 está também envolvida noutros processos moleculares tais como: regulação da hipertrofia cardíaca por meio da fosforilação da histona desacetilase 5 (HDAC5), redução da inflamação pela fosforilação de NF-κB p105, aumento da polimerização e agregação de α-sinucleína pela fosforilação da mesma. Até recentemente, todos os inibidores de GRK5 disponíveis eram inespecíficos, inibindo também a GRK2. Alguns exemplos destes inibidores são o Sunitinib, um inibidor do recetor tirosina cinase aprovado pela FDA também capaz de inibir a GRK5, e o Ullrich 57, composto derivado da estrutura indolinona do Sunitinib. Os primeiros inibidores GRK5 seletivos e potentes foram desenvolvidos por Andrew D. White e pelo seu grupo, que geraram uma série de inibidores da GRK5 a partir do scaffold Ullrich 57. Dos inibidores gerados, os três mais seletivos e potentes foram CCG273463, CCG273441 e GRL018-21. Posto isto, o objetivo deste trabalho foi avaliar e caracterizar o resgate do tráfego e da função da p.Phe508del-CFTR aquando da inibição da GRK5, e verificar a existência de aditividade com os moduladores de CFTR VX-661 e VX-445. Para a inibição da GRK5, foi utilizado um inibidor seletivo, CCG273441, tanto sozinho como em combinação com os moduladores referidos. Os nossos resultados permitiram-nos entender melhor o funcionamento da via de sinalização de GRK5-CFTR e como a inibição de GRK5 é capaz de resgatar o tráfego e a função de p.Phe508delCFTR. Foi também possível confirmar a sinergia da inibição da GRK5 com moduladores de CFTR. Uma vez inibida a GRK5, a quantidade total de p.Phe508del-CFTR nas células aumenta, havendo assim mais CFTR disponível para ser corrigida pelos moduladores e consequentemente uma quantidade aumentada de CFTR funcional no MP. Em conclusão, os nossos resultados mostram que a GRK5 regula p.Phe508del-CFTR interferindo ao nível da produção e/ou degradação de CFTR.Cystic Fibrosis (CF) is a rare genetic disease caused by the inheritance of two alleles with pathogenic variants of the CF transmembrane conductance regulator (CFTR) gene. The CFTR gene encodes a transmembrane channel that conducts Cland HCO3 - across the plasma membrane (PM) of epithelial cells. Although nowadays, highly effective CFTR modulator drugs are available for people with one or two p.Phe508del-CFTR alleles – the most common CFTR variant – their high cost, and the fact that they are the only therapeutic able to stop the CF pathogenesis cascade make it necessary to develop new therapeutical options. Our group has previously identified G-protein coupled receptor kinase 5 (GRK5) as a novel regulator of p.Phe508del-CFTR. In the present work, we aimed to assess the effect of GRK5 inhibition in rescuing p.Phe508del-CFTR traffic and function and its additivity with two approved CFTR modulators, VX-661 and VX-445. To inhibit GRK5, the selective inhibitor CCG273441 was used alone and in combination with modulators. The results allowed us to better understand GRK5-CFTR signalling pathway and how GRK5 inhibition can rescue p.Phe508del-CFTR traffic and function while confirming synergy with CFTR modulators. Once GRK5 is inhibited, the pool p.Phe508del-CFTR increases resulting in more CFTR prone to be corrected by the CFTR modulators and an increased amount of functional CFTR at the PM. In conclusion, our results show that GRK5 regulates p.Phe508del-CFTR by interfering with CFTR production and/or degradation.engFibrose Quísticap.Phe508del-CFTRModuladores de CFTRGRK5Tráfego membranarTeses de mestrado - 2024Characterizing the regulation of the CFTR protein by the kinase GRK5 in cystic fibrosis modelsmaster thesis203880200