Dias, Augusto SilvaVianna, Rafael Ferreira2019-07-162019-07-162019-05-132019http://hdl.handle.net/10451/39137O problema estudado está localizado no cruzamento entre multiculturalismo e política criminal de combate às drogas. Adota-se como caso-problema a criminalização do uso (produção, distribuição e consumo) religioso da ayahuasca, bebida feita pela mistura e decocção de plantas amazônicas, a qual possui DMT, um psicotrópico proibido pelas convenções e legislações antidrogas. Referida bebida é utilizada em rituais das religiões brasileiras do Santo Daime, da União do Vegetal, da Barquinha e por neo-ayahuasqueiros. Com a expansão dessas religiões pelo mundo, diversos líderes religiosos foram presos por tráfico de drogas, gerando discussões jurisprudências e doutrinárias sobre os fundamentos e limites da liberdade religiosa, do multiculturalismo e da criminalização das drogas. A religião é uma necessidade humana fundamental e o consumo de substâncias psicoativas em contexto ritual-religioso é comum em diversas sociedades ao longo da história. A teoria do bem jurídico-penal camufla a fragilidade dos fundamentos da política criminal contra as drogas e da seletividade penal, especialmente quando o uso é não problemático ou não disfuncional. A análise apropriada em uma sociedade que se pretende democrática e multicultural deve considerar o contexto e o sentido dos usos de substâncias psicoativas, bem como as consequências sociais de determinadas práticas culturais, respeitando as culturas como alternativas de vida e concretização da autonomia moral do indivíduo e da liberdade sobre o próprio destino. No caso dos grupos religiosos ayahuasqueiros, constata-se que a bebida ocupa papel central e fundamental na forma como seus seguidores vivem, partilham suas experiências, seu ethos e enxergam-se como indivíduos, existindo costumes e normas culturais bem definidas sobre a produção, distribuição e forma de consumo ritual da ayahuasca. Entende-se que essas normas culturais são materialmente jurídicas e decorrem do surgimento de “novos direitos”, ainda não reconhecidos pela legislação oficial-estatal. Com a diversidade cultural ocasionada pela globalização e a impossibilidade da regulação legal-estatal de todos os campos e aspectos da vida social atual, defende-se que normas jurídicas extraestatais sejam consideradas para a solução de problemas jurídicos concretos e o pluralismo normativo reconhecido. No complexo mundo atual, uma nova postura é exigida do jurista, assim como um novo paradigma para a realização do Direito, nomeadamente a adoção do pensamento complexo e a interpretação jurídica multicultural. Em um modelo participativo, aberto, dialógico, reflexivo e dialético-crítico, o jurista, ao analisar um caso problemático multicultural, deve considerar os diferentes interesses e normas em conflito, estando aberto para, no caso do direito penal, aceitar que normas jurídicas não estatais podem ser consideradas como exercício regular de um direito, retirando a antinormatividade de algumas condutas culturais tipificadas em abstrato como crime. No caso em estudo, adotando-se a teoria da tipicidade conglobante e respeitando-se a primazia da liberdade, conclui-se que o sentido religioso, o contexto ritual e a existência de normas jurídico-comunitárias sobre seu uso permitem que o mesmo seja considerado como não contrário ao Direito, sendo ilegítima a criminalização das condutas de produção, importação, distribuição e consumo da ayahuasca.porUso da ayahuasca : fundamentos e limites da criminalização do tráfico de drogas em sociedades multirreligiosasdoctoral thesis101716567