Isolation and characterization of Campylobacter spp. from surface and recreational waters

Abstract

A campilobacteriose é uma zoonose e a doença gastrointestinal de origem bacteriana mais comum no mundo. Os principais agentes etiológicos são o Campylobacter jejuni e o Campylobacter coli, responsáveis por mais de 80% e cerca de 10% das infeções causadas por Campylobacter spp., respetivamente. Em humanos, o quadro clínico é variado, apresentado sintomas como febre, dores abdominais, vómitos, diarreia (podendo ser aquosa ou com sangue), cefaleias e mialgias, entre outros. Também podem ocorrer sequelas autoimunes pós-infeção como a Síndrome Guillain-Barré, artrite reativa e síndrome do intestino irritável. Estas infeções são geralmente autolimitadas, resolvendo-se nalguns dias, e o tratamento foca-se na gestão de sintomas recorrendo ao uso de eletrólitos e à reposição de fluídos. Por norma, a administração de antibióticos não é necessária, restringindo-se a situações de infeção severa e prolongada, particularmente nas crianças, idosos e indivíduos imunocomprometidos. Ainda assim, o aumento da resistência a antibióticos nestas espécies tem-se verificado, especialmente em estirpes isoladas de humanos e de produção animal. Portugal apresenta valores de resistência extremamente altos para eritromicina e para eritromicina combinada com ciprofloxacina e de multirresistência em C. coli, mas baixos em C. jejuni, o que pode ser explicado pelo impacto negativo de mutações conferentes de resistência à eritromicina no fitness desta última espécie. Estes valores de resistência são os mais críticos entre todos os reportados pelos estados-membros da União Europeia. A tetraciclina e ciprofloxacina também apresentam valores de resistência extremamente altos em C. jejuni e em C. coli, o que é consistente com o padrão observado na Europa. O aumento das frequências de resistência tem sido associado ao uso de antibióticos na produção animal, na prática de medicina veterinária e na profilaxia. O principal nicho destes microrganismos é o trato intestinal de aves, sendo que a avicultura é considerada o maior reservatório de Campylobacter spp. e, em países industrializados, a carne de frango é a maior fonte de infeção em humanos. Ainda assim, outros reservatórios menos descritos na literatura, como águas de superfície e ornamentais, também são reconhecidos como fontes de infeção relevantes. Estes reservatórios de água, que incluem lagos, ribeiras, rios, fontes e lagos ornamentais, estão frequentemente em parques e em áreas recreacionais, promovendo o contacto direto de humanos com águas possivelmente contaminadas ou o contacto indireto, por exemplo através de cães, aves selvagens ou galinhas (designados agentes intermediários de infeção). Adicionalmente, estas águas são consideradas bancos de genes de resistências e de bactérias resistentes, contribuindo para a disseminação destes. Com base nisto, a monitorização global dos diferentes reservatórios de Campylobacter spp. é essencial no controlo da infeção. De acordo, e visto que não existe informação prévia, neste estudo comprometemo-nos a isolar e caracterizar fenotípica- e genotipicamente C. jejuni e C. coli de águas de superfície e recreacionais, de Lisboa e Vale do Tejo. Ainda, pretendemos relacionar estas com estirpes contemporâneas isoladas de casos clínicos de campilobacteriose em Portugal. Para tal, 125 estirpes clínicas foram facultadas pelo Laboratório Nacional de Referência das Infeções Gastrintestinais do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, das quais 85 são C. jejuni e 40 são C. coli. Isolation and characterization of Campylobacter spp. from surface and recreational waters De 25 de novembro de 2020 a 30 de junho de 2021, um total de 56 amostras de água foram recolhidas em 42 locais distintos. Com base num protocolo de cultura seletiva com enriquecimento para Campylobacter spp., 49 destas amostras foram processadas e analisadas, resultando num isolamento de Campylobacter spp. em 14 amostras, o que corresponde a uma frequência deste género de 28.6% em águas de superfície e recreacionais. Uma análise mais aprofundada revelou uma discrepância significativa quando comparada a frequência em amostras de lagos, ribeiras e rios (alguns destes de zonas estuarinas) com a frequência em amostras de fontes, lagos ornamentais e águas com tratamentos de cloro, 41.9% e 5.6%, respetivamente. Considerando as 14 amostras positivas para Campylobacter spp., quatro foram positivas para C. jejuni, totalizando 14 estirpes isoladas, e seis foram positivas para C. coli, totalizando 21 estirpes isoladas. Deste modo, um total de 35 estirpes isoladas compreendeu a nossa amostra de estudo. A análise fenotípica consistiu num teste de suscetibilidade aos antimicrobianos realizado por difusão de disco para ciprofloxacina, eritromicina, gentamicina, tetraciclina, ampicilina, amoxicilina com ácido clavulânico e ertapenem. Com base nos resultados desta análise e nos resultados do enterobacterial repetitive intergenic consensus PCR (ERIC-PCR), 16 estirpes distintas foram designadas entre as 35 estirpes isoladas, oito C. jejuni e oito C. coli. Destas, a maioria eram suscetíveis ao painel de antibióticos, enquanto 25% (4/16) era resistente à tetraciclina e 18.8% (3/16) era resistente à ampicilina. Em comparação, as estirpes isoladas clínicas eram tipicamente resistentes a mais antibióticos e numa maior frequência, sendo que apenas sete das 125 estirpes clínicas tinham perfis de resistência idênticos às estirpes de águas, nomeadamente seis sendo suscetíveis a todos os antibióticos e uma sendo resistente à tetraciclina e à ampicilina. A análise genotípica foi efetuada apenas para 15 das 35 estirpes das águas, que mostraram ser clonalmente distintas através de ERIC-PCR e consequentemente selecionadas para sequenciação total do genoma. A análise in silico do genoma destas, e das sete estirpes clínicas com um perfil de resistência idêntico, permitiu identificar determinantes de resistência à tetraciclina, a β-lactamases, a aminoglicosídeos e à estreptotricina, e de resposta ao stress (cluster de resistência ao arsénico). O gene tet(O) foi identificado em estirpes isoladas de águas e clínicas com resistência fenotípica à tetraciclina. A presença deste gene confere resistência à tetraciclina, através da ação da sua proteína conferente de proteção ribossomal contra a ação da tetraciclina. Adicionalmente, tet(O) pode estar localizado no cromossoma ou num plasmídeo, tendo sido detetado em plasmídeos pTet ou pTet-tipo para algumas das estirpes. Genes codificantes de β-lactamases foram identificados em estirpes de águas (blaOXA-184, blaOXA-184-tipo e blaOXA-61-tipo) e em estirpes clínicas (blaOXA-61 e blaOXA-61-tipo), tanto suscetíveis como resistentes à ampicilina, sendo que todas as estirpes resistentes tinham um destes genes. O gene aadE-Cc e o cluster aadE-sat4-aph(3’)-IIIa, identificados em estirpes isoladas de águas, conferem resistência a antibióticos não testados. Além destes genes de resistência, em todas as 15 estirpes isoladas de águas também foram identificados genes da bomba de efluxo CmeABC e do seu regulador CmeR, os quais contribuem para a resistência intrínseca e adquirida à tetraciclina, a β-lactâmicos, entre outros. Isolation and characterization of Campylobacter spp. from surface and recreational waters A genotipagem por multilocus sequence typing identificou um conjunto de 14 sequence types (STs) nas estirpes isoladas de águas e de 65 STs nas clínicas. Referente às primeiras, nove STs tinham sido anteriormente identificados e reportados (ST-637, ST-1223, ST-9239, ST-6159, ST-696, ST-2663, ST-5603, ST-1764, e ST-1981), embora a frequência da maioria destes STs na literatura e em bases de dados seja baixa. A informação disponível na base de dados do PubMLST revelou que estes STs são tipicamente encontrados em estirpes isoladas de águas ambientais e de aves selvagens, enquanto os STs identificados para as estirpes isoladas clínicas estão maioritariamente associados a estirpes de casos clínicos de campilobacteriose. Com base na distribuição e diversidade de STs, foi possível concluir que as estirpes de águas e clínicas não eram proximamente relacionadas, o que permitiu também inferir que as estirpes das águas de superfície e recreacionais amostradas não são revelantes para a infeção em humanos, relativamente aos casos de campilobacteriose considerados neste estudo, e que, possivelmente, provieram de aves selvagens. Foi ainda feita uma minimum spanning tree (MST) para estirpes C. coli de modo a visualizar a sua distribuição populacional pelos três clades descritos para esta espécie. Os C. coli recolhidos de águas deste estudo e integrados nesta MST foram atribuídos ao clade 2 e 3, enquanto todos os C. coli clínicos pertenciam ao clade 1, com exceção de uma estirpe atribuída ao clade 3. Isto está de acordo com a literatura, que afirma que a maioria dos C. coli do clade 1 são de casos clínicos e que as estirpes do clade 2 e 3 têm uma origem ambiental ou animal. A análise in silico também permitiu a identificação de genes putativos de virulência, especificamente cadF, jlpA, porA, ciaB, flaC e cdtABC, detetados nas 15 estirpes isoladas de águas analisadas. Os sistemas de secreção do tipo IV (T4SS) e do tipo VI (T6SS) também foram encontrados em ambas as estirpes de águas e clínicas. Todos estes genes e fatores de virulência estão associados a mecanismos de aderência, invasão, citotoxicidade, motilidade, quimiotaxia e sobrevivência. Os genes do T4SS estavam localizados em plasmídeos pTet ou pTet-tipo. Este tipo de sistema, codificado em pTet, tem sido especificamente relacionado com processos de conjugação. A presença de genes (como o tet(O)) em plasmídeos representa um fator preocupante que pode contribuir para a aceleração da disseminação de resistências e patogenicidade, principalmente em ambientes aquáticos. Por último, e assente nos metadados das estirpes clínicas, foi possível relacionar a presença do T6SS a perfis clínicos mais graves (como diarreia com sangue e sépsis). Para futuros estudos fica a intenção de incluir uma maior diversidade e quantidade de reservatórios de águas, de modo também a obter um maior número de estirpes isoladas, reforçando os estudos, e de associar a outros fatores de infeção como, por exemplo, estarem perto de zonas com gado.

Campylobacteriosis is a zoonosis and the most common cause of acute bacterial gastroenteritis worldwide, with Campylobacter jejuni and Campylobacter coli being the most frequent etiological agents in human infections. The increase of antibiotic resistance and multidrug resistance is alarming, with Portugal having of the most critical values of erythromycin, combined erythromycin-ciprofloxacin, and multidrug resistance among European countries. Campylobacter is significantly present in environmental waters. Transmission of C. jejuni and C. coli was linked to lakes, creeks, rivers, fountains, and ornamental lakes, which are reservoirs of resistome, contributing to the dissemination of antibiotic resistance genes and to the emergence of antibiotic resistant Campylobacter. This study focused on evaluating the potential role of surface and recreational waters of Lisboa and Vale do Tejo in the transmission of Campylobacter infections to humans, especially antibiotic resistant bacteria. A total of 56 samples were collected, of which 49 were analyzed. Results showed a frequency of 28.6% (14/49) Campylobacter-positive samples, harboring 14 C. jejuni and 21 C. coli isolates, and a significant association with lakes, creeks, and rivers. These isolates were characterized into eight C. jejuni and eight C. coli different strains, which were mostly susceptible, though four (25%) were tetracycline-resistant and three (18.8%) were ampicillin-resistant. In silico analysis revealed the pathogenicity of these, carrying relevant antimicrobial resistance genes (tet(O), blaOXA-61 and -like, blaOXA-184 and -like, aadE-CC, aadE-sat4-aph(3’)-IIIa cluster) and virulence genes. Results also showed the waterbodies weren’t relevant reservoirs of human campylobacteriosis, but due to the reduced sample size the conclusions may be subjected to bias. Moreover, we can’t discard the possibility of transmission in other settings, like rural areas, which were not included in this study. It was also determined that our water isolates might have a wild birds-origin. However, a more robust sample would be required to reach more confident conclusions.