Utilize este identificador para referenciar este registo: http://hdl.handle.net/10451/65066
Título: Trabalho escravo no Brasil contemporâneo : experiências e memórias de trabalhadores do assentamento Nova Conquista/Piauí
Autor: Solon, Daniel Vasconcelos
Orientador: Rodrigues, José Manuel Damião Soares
Data de Defesa: 3-Mai-2024
Resumo: O Estado do Piauí configurou-se como observatório privilegiado para o estudo do trabalho escravo contemporâneo dentro do contexto de expansão do agronegócio no país. No mundo rural piauiense, a chegada de modernos grupos empresariais, desde a agricultura à mineração, impulsionou conflitos agrários em terras tradicionalmente ocupadas por moradores/agregados, parceiros, pequenos posseiros, quilombolas e indígenas, além de trazerem profundos impactos ambientais, fazendo ainda avançar a exploração de trabalhadores em condições análogas à escravidão. Não por acaso, nos anos 2000, devido a vulnerabilidade social da população, o Piauí foi considerado um dos estados brasileiros que mais se destacavam na “exportação” de trabalhadores a serem escravizados em outras regiões, principalmente na amazônica. Antes de focar no tempo presente, a investigação recorre a um contexto histórico mais distante e a aspectos da formação da propriedade desse território, localizando o Piauí ainda como destino de trabalhadores de outras geografias, e igualmente palco de exploração do trabalho análogo ao escravo. Desde os anos de 1980 até à primeira década do século XXI, houve importantes mudanças políticas no Brasil e no Piauí, que culminaram com a ascensão de governos do Partido dos Trabalhadores em âmbito nacional e estadual. Viu-se a crescente expectativa dos movimentos sociais para que graves problemas sociais e a injustiça no campo – marcado por denúncias de trabalho análogo ao escravo há décadas, e pela violência praticada por latifundiários – fossem resolvidos com reforma agrária, tendo sido este um dos principais temas debatidos no processo de elaboração da Constituição de 1988, ano do centenário da abolição formal da escravatura. Tanto grandes proprietários como representantes dos trabalhadores rurais e dos sem-terra participaram dos governos de frente popular petistas eleitos em 2002, e seus projetos de conciliação de classe. Irreconciliáveis os interesses, não foram poucos os conflitos que se seguiram durante estes governos, às vezes pondo em choque, umas contra outras, estruturas de poder do Estado. Entre a expansão de terras para o agronegócio ou a desconcentração e redistribuição ampla da estrutura fundiária com características coloniais, não raro os governos – por ação ou omissão – favoreceram o latifúndio, inclusive em conflitos em torno de propriedades onde se constatou ocorrer a exploração de trabalhadores em condições análogas ao de escravo. A tese também verificou como se deu a construção do conceito de trabalho escravo contemporâneo, sobretudo a partir dos anos de 1990, quando se intensifica a pressão nacional e internacional para denunciar o problema no Brasil. Devido à essa pressão, o mesmo Estado que elevou o agronegócio a categoria de salvador da economia nacional, passa a aumentar a repressão e fiscalização (grupos móveis) no campo e surgem relevantes mudanças na legislação para punir os escravocratas contemporâneos, num contexto de flexibilização/precarização do trabalho, na hegemonia neoliberal. A partir do estudo de caso do assentamento Nova Conquista (Monsenhor Gil/Piauí), o primeiro criado no Brasil para atender a um grupo de resgatados do trabalho escravo contemporâneo, a tese reconstruiu experiências de sujeitos migrantes – desde o aliciamento ao retorno – e evidenciou o protagonismo de trabalhadores e trabalhadoras na luta pelo direito à terra e por boas condições de permanência nela. O estudo deu visibilidade às mulheres de diferentes lugares sociais (agentes do serviço público, movimentos sociais e assentadas no campo) que atuaram na luta contra o trabalho análogo ao escravo e em defesa dos migrantes. Historiou o processo de maior mobilização da sociedade civil organizada, originando um fórum piauiense de combate ao trabalho análogo ao escravo, fazendo que um dos migrantes, Aurélio Andrade, com sua arte, se destacasse nacionalmente como símbolo de luta contra a escravidão contemporânea. A investigação destacou o fato de que o tema do trabalho escravo contemporâneo é fortemente marcado por aspectos de raça e classe. O estudo revelou como documentos oficiais (planos nacionais e estaduais de combate ao trabalho escravo, atas da Comissão Nacional de Erradicação ao Trabalho Escravo – Conatrae) ao negligenciarem a questão étnico-racial, fizeram transparecer o mito da democracia racial no tratamento do tema. Da mesma forma, este mito foi constatado em produções acadêmicas dedicadas ao tema do trabalho escravo contemporâneo.
The State of Piauí has become a privileged observatory for the study of contemporary slave labor within the context of the expansion of agribusiness in the country. In the rural world of Piauí, the arrival of modern business groups, from agriculture to mining, led to agrarian conflicts on land traditionally occupied by residents/aggregates, partners, small squatters, quilombolas and indigenous people, as well as having profound environmental impacts, further advancing the exploitation of workers in conditions analogous to slavery. It's no coincidence that in the 2000s, due to the social vulnerability of the population, Piauí was considered one of the Brazilian states that stood out in terms of exporting workers to be enslaved in other regions, especially in the Amazon. Before focusing on the present, the investigation looks at a more distant historical context and aspects of the formation of property in this territory, locating Piauí as a destination for workers from other geographies, and also the scene of exploitation of work analogous to slavery. From the 1980s to the first decade of the 21st century, there were important political changes in Brazil and Piauí, culminating in the rise of Workers’ Party governments at national and state level. There was a growing expectation on the part of social movements that serious social problems and injustice in the countryside – marked by accusations of work analogous to slavery for decades and by the violence practiced by landowners – would be resolved through land reform, and this was one of the main issues debated in the process of drafting the 1988 Constitution, the year of the centenary of the formal abolition of slavery. Both large landowners and representatives of rural workers and the landless participated in the popular front governments elected in 2002, and their class conciliation projects. Irreconcilable interests meant that there were many conflicts during these governments, sometimes pitting state power structures against each other. Between the expansion of land for agribusiness or the deconcentration and widespread redistribution of the land structure with colonial characteristics, it was not uncommon for governments – by action or omission – to favor the latifundia, including in conflicts over properties where the exploitation of workers in conditions analogous to slavery was found. The thesis also looked at how the concept of contemporary slave labor was constructed, especially since the 1990s, when national and international pressure to denounce the problem in Brazil intensified. As a result of this pressure, the same state that elevated agribusiness to the category of savior of the national economy began to increase repression and inspection (mobile groups) in the countryside, and significant changes were made to legislation to punish contemporary slavers, in a context of the flexibilization/precarceralization of work, under neoliberal hegemony. Based on the case study of the Nova Conquista settlement (Monsenhor Gil/Piauí), the first created in Brazil to serve a group of people rescued from contemporary slave labor, the thesis reconstructed the experiences of migrant subjects – from recruitment to return – and highlighted the leading role of male and female workers in the struggle for the right to land and for good conditions to remain on it. The study gave visibility to women from different social backgrounds (public service workers, social movements and rural settlers) who were active in the fight against slave-like labor and in defense of migrants. It chronicled the process of greater mobilization of organized civil society, giving rise to a forum in Piauí to combat work analogous to slavery, and making one of the migrants, Aurélio Andrade, stand out nationally with his art as a symbol of the fight against contemporary slavery. The research highlighted the fact that the issue of contemporary slave labor is strongly marked by aspects of race and class. The study revealed how official documents (national and state plans to combat slave labor, minutes of the National Commission for the Eradication of Slave Labor - Conatrae), by neglecting the ethnic-racial issue, made the myth of racial democracy apparent in their treatment of the issue. Likewise, this myth was found in academic productions dedicated to the issue of contemporary slave labor.
URI: http://hdl.handle.net/10451/65066
Designação: Doutoramento em História, na especialidade de História do Brasil
Aparece nas colecções:FL - Teses de Doutoramento

Ficheiros deste registo:
Ficheiro Descrição TamanhoFormato 
ulfldvsolon_td.pdf4,72 MBAdobe PDFVer/Abrir


FacebookTwitterDeliciousLinkedInDiggGoogle BookmarksMySpace
Formato BibTex MendeleyEndnote 

Todos os registos no repositório estão protegidos por leis de copyright, com todos os direitos reservados.