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Authors
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Abstract(s)
Esta tese de mestrado foca-se na importância da interação da proteína da cápside (C) do vírus Zika com sistemas lipídicos do hospedeiro, a qual influência diversos passos importantes do ciclo de vida deste vírus, pertencente à família Flaviviridae. Anteriormente, casos de infeção por Zika poderão ter sido mal diagnosticados, uma vez que os sintomas apresentam elevada semelhança com os sintomas da infeção pelo vírus da dengue e que ambos apresentam a mesma distribuição geográfica (África e Oceânia). Nos últimos anos, casos de microcefalia em recém-nascidos e de síndrome Guillain-Barré em adultos foram associados à infeção pelo vírus Zika, nas epidemias de 2015 no Brasil e 2013, na Polinésia Francesa, respetivamente. Dada a extensão do número de afetados e a gravidade, tornou-se numa emergência de saúde pública a nível mundial, conforme reconhecido pela Organização Mundial de Saúde.
O vírus Zika é transmitido pela picada de mosquitos do género Aedes spp., em particular Aedes aegypti e Aedes albopictus sendo que ambos se encontram em zonas tropicais e subtropicais. Contudo, o aquecimento global acompanhado do movimento de pessoas e bens permitiu que em zonas temperadas, cujos invernos tendem agora a ser mais moderados do que no passado, estes vetores se consigam estabelecer, sendo transportados para essas novas zonas através do comércio internacional de pneus usados e de plantas exóticas com pequenos depósitos de água. Esta realidade está presente na Europa (mais propriamente, ao largo do Mediterrâneo), onde cada vez mais se observam colónias de A. albopictus, bem como A. aegypti. Esta situação já levou a epidemias de dengue na Europa, inclusive em Portugal, uma vez que este vírus é transmitido pelos mesmos vetores. Assim sendo, uma epidemia de Zika na Europa é uma possibilidade real. A infeção pelo vírus Zika apresenta dois panoramas completamente distintos: um relativamente assintomático, com manifestações de febre ligeira, dores nos músculos e articulações, não justificando muitas vezes quaisquer cuidados clínicos, e outro mais agressivo associado a problemas neuropatológicos, podendo resultar na ocorrência de microcefalia em recém-nascidos e de síndrome de Guillain-Barré em adultos, causando paralisia. Não existe ainda qualquer vacina comercial ou terapia específica para o Zika. Tal é devido à falta de conhecimento sobre os mecanismos moleculares por detrás de certos passos importantes no ciclo de vida viral. O vírus do Zika é semelhante a outros agentes patogénicos relacionados, como a febre amarela, a febre tifóide, o vírus da dengue (DENV) e da hepatite C (HCV). Este vírus, tal como todos os Flavivirus, é constituído por um invólucro superficial contendo as proteínas do envelope (E) da membrana (M), que estão ligadas a uma bicamada lipídica viral por domínios transmembranares. Sob essa bicamada encontra-se presente a nucleocápside, sendo esta constituída por uma única molécula de RNA de cadeia simples positiva (ssRNA+) complexada com diversas cópias da proteína da cápside (C). O genoma viral contém uma região codificante a partir do qual toda a maquinaria viral é sintetizada, sendo esta constituída pelas três proteínas estruturais acima referidas e por sete proteínas não estruturais. Estas últimas são responsáveis pela replicação intracelular do vírus, enquanto as proteínas estruturais asseguram principalmente a estrutura do virião. A proteína C, que é também uma proteína estrutural, tem ainda um papel importante no mecanismo de encapsidação e assemblagem viral. Os Flavivirus infetam principalmente o fígado e os epitélios vasculares do hospedeiro, e, em alguns casos, o cérebro, coração, músculos e órgãos linfáticos. Durante a infeção por DENV e HCV, o metabolismo lipídico é fortemente influenciado, levando a um aumento do número e do tamanho de corpúsculos lipídicos intracelulares. Existe também uma elevada desordem da estrutura membranar bem como alteração da concentração e composição das lipoproteínas plasmáticas. A nível molecular os mecanismos da replicação viral ainda não estão inteiramente elucidados. Contudo, o estudo da atividade biológica da proteína C de flavivírus constitui uma linha de investigação promissora com elevado potencial para o desenvolvimento de novos fármacos. As proteínas C de flavivírus são compostas por aproximadamente 100 resíduos de aminoácidos e apresentam uma distribuição não homogénea da sua carga, sendo carregadas positivamente. As estruturas conhecidas de proteínas C de flavivírus transmitidos por picada de mosquito são as correspondentes aos vírus da Dengue, do Nilo Ocidental e mais recentemente do Zika (publicada a 30 de março, depois da realização deste trabalho e entregue da versão provisória desta tese). Todas estas proteínas são homodímeros em solução: cada monómero destas proteínas possui estruturas terciárias idênticas constituídas por quatro regiões em hélice α e um N-terminal não estruturado, menos estudado. Existe uma grande localização de cargas positivas na mesma região (hélice α4), deixando do lado oposto em termos espaciais uma grande superfície hidrófoba (região entre a hélice α1 e α2). Pensa-se então que a região positivamente carregada será responsável pela interação com o RNA viral, enquanto que a região hidrofóbica irá interagir com lípidos e/ou com bicamadas lipídicas. O grupo de investigação onde este trabalho foi desenvolvido demonstrou que, para além da referida região hidrofóbica, a secção N-terminal da proteína C do vírus da Dengue tem um papel fulcral na ligação a corpúsculos lipídicos, tendo desenvolvido e patenteado um péptido designado pep14-23, baseado numa região conservada da mesma. Este péptido inibe a ligação da proteína C de Dengue a corpúsculos lipídicos e a lipoproteínas. Dado que a interação da proteína C do vírus Dengue com corpúsculos lipídicos é essencial para a replicação viral, este é um avanço considerável. O mesmo grupo obteve resultados semelhantes recentemente para a interação da proteína do vírus do Nilo Ocidental com sistemas lipídicos do hospedeiro. Assim, visto que o vírus Zika pertence à mesma família, sendo as proteínas da cápside altamente similares em termos de sequência, é proposto que a proteína da cápside do vírus Zika interaja igualmente com corpúsculos lipídicos intracelulares e/ou lipoproteínas. Esta hipótese é testada neste trabalho recorrendo a técnicas biofísicas, bem como previsões computacionais de forma a ser possível a integração dos dados obtidos em modelos dessas interações. Para tal, numa primeira fase do trabalho foi necessário produzir proteína C recombinante de Zika. De seguida, medidas de potencial zeta dos corpúsculos mostraram que estes têm carga negativa, na ausência de proteína C. Incubando os corpúsculos com diversas concentrações da proteína viral observa-se que o valor de potencial zeta vai gradualmente aumentando com o aumento da concentração de proteína, estabilizando em valores positivos, sendo indicativo de interação da proteína C com estes sistemas lipídicos. De seguida, as proteínas de superfície destes corpúsculos foram removidas (pela ação da tripsina). Nestas condições, apesar dos corpúsculos se manterem negativamente carregados, o grau de interação é reduzido, sugerindo que a interação entre a proteína C e os corpúsculos não é de apenas natureza electroestática, devendo envolver proteínas específicas da superfície dos corpúsculos (á semelhança do observado com a proteína C do vírus da Dengue). A interação com lipoproteínas plasmáticas humanas de muito baixa densidade (VLDL) e lipoproteínas de baixa densidade (LDL) também foi estudada, através do uso de espectroscopia de dispersão dinâmica de luz, onde após titulação com proteína C, foi possível medir o aumento do tamanho médio relativo das partículas, correlacionando-se com as previsões realizadas computacionalmente para a dimensão da proteína C do vírus Zika. Com este estudo, observou-se uma interação com LDL, e uma aparente inexistência de interação com VLDL, uma surpresa face ao que é descrito na literatura para o vírus Dengue, que interage com VLDL, mas não com LDL. Dados preliminares indicam que esta interação pode ocorrer quer na presença de iões sódio bem como iões potássio, sendo novamente uma surpresa face ao descrito na literatura, uma vez que esta interação para o vírus Dengue é descrita como dependente da concentração do ião potássio. Estes dados irão ser corroborados por meio de técnicas adicionais, nomeadamente espectroscopia de força baseada em microscopia de força atómica, tendo em vista a identificação dos alvos moleculares da proteína C de Zika em cada sistema lipídico (corpúsculos lipídicos, VLDL e LDL). Um estudo da capacidade do péptido pep14-23 de inibir a ligação da proteína C de Zika a LDL foi também realizado, recorrendo à espectroscopia de dispersão dinâmica de luz. Com os dados obtidos, é possível observar que existe inibição por parte do péptido pep14-23. Uma vez que o pep14-23 é baseado na sequência do N-terminal, este irá por sua vez possivelmente competir com a proteína C pelo mesmo alvo molecular. Estes dados podem ser melhorados futuramente, com o teste de derivados do péptido pep14-23, avaliando a capacidade dos mesmos de inibir a atividade biológica da proteína C, o que poderá permitir futuros fármacos contra a infeção pelo vírus Zika e Flavivirus semelhantes.
Zika virus (ZIKV) infection is transmitted through the bite of Aedes spp. mosquitoes, namely Aedes aegypti and Aedes albopictus. Recent ZIKV outbreaks were associated with neurological disorders (microcephaly in newborns and Guillain-Barré syndrome in adults), constituting a serious public health threat. The life cycle is poorly understood, and its global spread and disease severity are increasing. Despite this, there is no specific and effective treatment or vaccine against ZIKV infection out in the market. Key steps in the viral life cycle are viral assembly and encapsidation. In related viruses, such as Dengue virus (DENV), these steps are mediated by the capsid (C) protein, which interacts with viral RNA as well as with host lipid structures. Noteworthy, the interaction of DENV C with host lipid droplets (LDs) is essential for viral replication. The host group has characterized DENV C-LDs interaction, as well as DENV C ability to bind lipoproteins. The work led to pep14-23, a peptide patented by the host group that was designed based on a conserved motif of the flavivirus N-terminal region and which inhibits both interactions. Similar findings were obtained concerning West Nile virus (WNV) C protein ability to interact with host lipid systems. Given the similarities of DENV, WNV and ZIKV C proteins, it was therefore hypothesized that ZIKV C may bind the same lipid systems and be inhibited by pep14-23. In this thesis it is shown that ZIKV C is indeed able to bind LDs and low-density lipoproteins (LDL). The interaction of ZIKV C with LDs was studied via zeta potential measurements, showing that the interaction does occur, requiring LDs’ surface proteins in potassium buffer. Preliminary data suggests that ZIKV C is able to interact with LDs in the presence of sodium buffer, which was unexpected since for DENV it was reported that DENV C-LDs binding only occurs in the presence of potassium ions. ZIKV C interaction with lipoproteins, namely LDL and very low-density lipoproteins (VLDL) was measured via dynamic light scattering (DLS). ZIKV C seems to bind LDL but not VLDL. In the presence of ZIKV C there is an increase of LDL hydrodynamic radius that correlates with the ZIKV C estimated dimension. Pursuing the goal of developing new drug strategies for ZIKV, the effect of pep14-23 in ZIKV C binding to LDL was determined using DLS. The data acquired indicates that pep14-23 may inhibit ZIKV C protein. This reaffirms the potential ability of pep14-23 as an inhibitor drug lead against ZIKV and closely related flavivirus.
Zika virus (ZIKV) infection is transmitted through the bite of Aedes spp. mosquitoes, namely Aedes aegypti and Aedes albopictus. Recent ZIKV outbreaks were associated with neurological disorders (microcephaly in newborns and Guillain-Barré syndrome in adults), constituting a serious public health threat. The life cycle is poorly understood, and its global spread and disease severity are increasing. Despite this, there is no specific and effective treatment or vaccine against ZIKV infection out in the market. Key steps in the viral life cycle are viral assembly and encapsidation. In related viruses, such as Dengue virus (DENV), these steps are mediated by the capsid (C) protein, which interacts with viral RNA as well as with host lipid structures. Noteworthy, the interaction of DENV C with host lipid droplets (LDs) is essential for viral replication. The host group has characterized DENV C-LDs interaction, as well as DENV C ability to bind lipoproteins. The work led to pep14-23, a peptide patented by the host group that was designed based on a conserved motif of the flavivirus N-terminal region and which inhibits both interactions. Similar findings were obtained concerning West Nile virus (WNV) C protein ability to interact with host lipid systems. Given the similarities of DENV, WNV and ZIKV C proteins, it was therefore hypothesized that ZIKV C may bind the same lipid systems and be inhibited by pep14-23. In this thesis it is shown that ZIKV C is indeed able to bind LDs and low-density lipoproteins (LDL). The interaction of ZIKV C with LDs was studied via zeta potential measurements, showing that the interaction does occur, requiring LDs’ surface proteins in potassium buffer. Preliminary data suggests that ZIKV C is able to interact with LDs in the presence of sodium buffer, which was unexpected since for DENV it was reported that DENV C-LDs binding only occurs in the presence of potassium ions. ZIKV C interaction with lipoproteins, namely LDL and very low-density lipoproteins (VLDL) was measured via dynamic light scattering (DLS). ZIKV C seems to bind LDL but not VLDL. In the presence of ZIKV C there is an increase of LDL hydrodynamic radius that correlates with the ZIKV C estimated dimension. Pursuing the goal of developing new drug strategies for ZIKV, the effect of pep14-23 in ZIKV C binding to LDL was determined using DLS. The data acquired indicates that pep14-23 may inhibit ZIKV C protein. This reaffirms the potential ability of pep14-23 as an inhibitor drug lead against ZIKV and closely related flavivirus.
Description
Tese de mestrado em Bioquímica, apresentada à Universidade de Lisboa, através da Faculdade de Ciências, em 2018
Keywords
Vírus Zika Proteína da cápside Corpúsculos lipídicos Lipoproteínas Péptido inibidor Teses de mestrado - 2018
