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Advisor(s)
Abstract(s)
Clostridioides difficile é uma bactéria anaeróbia capaz de colonizar o intestino humano. Esta
produz esporos, facilitando a sua sobrevivência em ambientes adversos, e disseminação. A
sintomatologia surge após uma disrupção da microbiota intestinal, habitualmente provocada pelo uso de
antibióticos. Tal permite a proliferação da bactéria, evasão do sistema imunitário do hospedeiro e
produção de toxinas, resultando na infeção oportunista. A infeção por C. difficile (CDI) é comummente
associada a ambientes hospitalares, e indivíduos mais velhos, e/ou previamente internados, são mais
suscetíveis. Porém, a incidência de CDI em populações antes consideradas de baixo risco tem vindo a
aumentar, com intensificação do número de casos reportados na comunidade.
A transmissão desta bactéria ocorre por via fecal-oral, através do contacto entre indivíduos
infetados ou suscetíveis, ou com superfícies contaminadas. Os sintomas despoletados incluem diarreia
e dor abdominal, colite pseudomembranosa, e até morte. A CDI constitui a principal causa de diarreia
associada a cuidados de saúde na Europa, exercendo uma pressão considerável sobre os sistemas de
saúde. Em Portugal, a vigilância da CDI é realizada no Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo
Jorge (INSA), juntamente com a Direção-Geral da Saúde, compreendendo uma rede de hospitais
portugueses que enviam amostras de fezes de pacientes diagnosticados com CDI para a Unidade de
Referência de Doenças Gastrintestinais, do INSA. No laboratório de referência, é realizada cultura
anaeróbia, e posterior caracterização fenotípica e molecular dos isolados presuntivos de C. difficile.
O potencial patogénico desta bactéria prende-se principalmente com a produção de duas toxinas
pró-inflamatórias, A e B. Algumas estirpes são ainda produtoras de uma toxina binária (CDT),
frequentemente associadas a ribotipos hipervirulentos epidémicos. Embora a maioria das estirpes de C.
difficile seja toxigénica, algumas não produzem toxinas, porém, podem adquirir e transmitir MGEs
(elementos genéticos móveis), conferindo resistência antimicrobiana, e tornar-se uma ameaça.
A CDI é descrita como paradoxal, surgindo após administração de antibióticos para tratar outras
infeções bacterianas. Assim, a terapia antimicrobiana constitui um fator de risco para o desenvolvimento
da CDI, pois ao alterar o equilíbrio da microbiota intestinal, facilita a ação/proliferação da bactéria.
Adicionalmente, o genoma de C. difficile destaca-se pela sua plasticidade genética, que permite adquirir
resistência a múltiplos antibióticos. Tal limita as opções de tratamento disponíveis, criando desafios na
abordagem da doença.
C. difficile pode também estar presente no intestino de animais e no ambiente, estabelecendo
uma complexa rede de transmissão que deve ser investigada na perspetiva One Health. A menor
prevalência de ribotipos hipervirulentos epidémicos, como o RT027 (associado a surtos hospitalares
graves), face a uma maior incidência de ribotipos encontrados no meio ambiente, indicia uma alteração
na epidemiologia da CDI. Dos perfis emergentes, destacam-se o RT106 e RT014/020, frequentemente
associados a CDI adquirida na comunidade (CA-CDI). Tal sugere a existência de reservatórios fora do
ambiente hospitalar.
O tratamento de águas residuais (AR) constitui uma medida crucial para a Saúde Pública, pois
as estações de tratamento de águas residuais (ETARs) recebem afluentes que podem conter agentes
patogénicos. Atualmente, C. difficile não está contemplado nos microrganismos monitorizados durante
o tratamento, dada a associação a ambientes hospitalares. Porém, a recente mudança na epidemiologia,
sugere que a monitorização de C. difficile em AR pode ser extremamente relevante, juntamente com a
vigilância de CDI em humanos. Estudar as AR permitiria determinar se os esporos da bactéria
conseguem resistir aos tratamentos, e consequentemente, contaminar o meio ambiente. Este estudo pretende atualizar o conhecimento sobre a epidemiologia da CDI em Portugal,
caracterizando estirpes de C. difficile obtidas de amostras provenientes de 17 hospitais, distribuídos por
cinco regiões de Portugal (Norte, Centro, Área Metropolitana de Lisboa, Alentejo e Açores), da rede
nacional de vigilância, e proceder à monitorização de C. difficile em AR, através da caracterização de
estirpes de amostras recolhidas numa ETAR de Lisboa. Foram recuperados 384 isolados de C. difficile
de amostras clínicas, e 140 isolados de C. difficile de amostras de AR. Destes, 99 foram obtidos de
amostras de AR brutas (afluente) e 41 do fluxo de saída da linha líquida (efluente tratado) da ETAR.
Foram ainda recolhidas três amostras de Água para Reutilização (ApR), nas quais não foi detetada C.
difficile, sugerindo a eficácia do tratamento efetuado. Todos os isolados, clínicos e de AR, foram
caracterizados quanto ao ribotipo e perfis de toxinas, e suscetibilidade antimicrobiana (TSA),
nomeadamente à clindamicina, moxifloxacina, rifampicina, metronidazol e vancomicina.
Observou-se grande variabilidade genética, tendo sido identificados 92 ribotipos distintos entre
os 384 isolados clínicos. Os seis mais prevalentes foram os ribotipos toxigénicos RT106 (14,1%),
RT014/020 (10,2%), RT078/126 (4,9%), RT002 (4,4%), e RT012 e RT013 (ambos com 3,4%). Dois
foram comuns às cinco regiões do país, o RT014/020 e RT106. Salienta-se na região Norte o mais
prevalente, o hipervirulento RT027, com 22 (16,4%) isolados provenientes de um hospital, associados
a um surto declarado em outubro de 2023, ainda em curso. De notar que o RT027 não era detetado nos
hospitais portugueses da rede de vigilância desde 2021. Embora estatisticamente seja o segundo ribotipo
mais prevalente, o RT027 não foi incluído na análise geral para evitar enviesamento dos resultados. A
sequenciação total do genoma (WGS) de cinco isolados revelou mutações nos genes gyrA e rpoB, e a
presença do gene ermB, conferindo resistência genotípica à moxifloxacina, rifampicina e clindamicina,
respetivamente. Estes demonstraram ainda resistência fenotípica à gentamicina, e suscetibilidade
reduzida à vancomicina, exibindo a mutação VanRCd Thr115Ala recentemente descrita, sendo a
primeira descrição deste clone multirresistente em Portugal.
Como expectável, as estirpes toxigénicas foram mais prevalentes (90,1%) entre os 384 isolados
clínicos. Após TSA, todos os isolados demonstraram suscetibilidade à vancomicina e metronidazol. A
maior taxa de resistência foi observada para a clindamicina (21,4%), com os 82 isolados
predominantemente pertencentes aos ribotipos toxigénicos RT012 (11,1%), RT106 (7,3%), RT078/126,
e RT559 (6,1% cada), e não-toxigénicos RT010 e RT039 (4,9% cada). Os 60 (15,6%) isolados
resistentes à moxifloxacina pertenciam maioritariamente a três ribotipos (todos toxigénicos): RT106
(25,0%), RT078/126 (13,3%) e RT559 (8,3%). Já a resistência à rifampicina foi detetada em três (6,5%)
isolados, de ribotipos RT085 não toxigénico (4,0%), RT181 hipervirulento (4,0%) e RT284 toxigénico
(4,0%).
A recuperação de C. difficile foi de 100,0% e de 87,5% entre as oito amostras de afluente e as
oito amostras de efluente, respetivamente. É de salientar a utilização de duas técnicas de isolamento
distintas, e em cada foram repicados, pelo menos, cinco isolados por amostra. A ribotipagem dos 140
isolados de AR revelou 33 perfis distintos. Entre os isolados de afluente, os ribotipos toxigénicos
RT014/020 e RT106 (15,2% cada) foram os mais prevalentes, seguidos do hipervirulento RT078/126
(12,1%), e dos não-toxigénico RT009 e toxigénico RT011 (7,1% cada), em linha com os achados
clínicos. No efluente tratado, os ribotipos mais comuns compreenderam o toxigénico RT430 (24,4%),
os não-toxigénicos RT010 (17,1%) e RT009 (14,6%), e o toxigénico RT103 (12,2%). As estirpes
toxigénicas foram mais prevalentes tanto no afluente (76,7%), como no efluente tratado (65,9%).
Salienta-se que cinco dos perfis mais prevalentes em isolados clínicos foram identificados em isolados
de AR: RT106, RT014/020, RT078/126, RT012 e RT013. Após TSA, o cenário foi semelhante ao
encontrado nos isolados clínicos; assim, todos apresentaram suscetibilidade à vancomicina e
metronidazol. A maior taxa de resistência observada nos 99 isolados do afluente foi registada para a clindamicina (14,1%), com 14 isolados predominantemente pertencentes ao não-toxigénico RT084
(28,6%) e aos toxigénicos RT012 (21,4%) e RT739 (14,3%); seguida da moxifloxacina (9,1%), com
nove isolados de três ribotipos (todos toxigénicos): RT078/126 (77,7%), RT106 e RT014/020 (11,1%
cada). Apenas um isolado (1,0%) de RT009, não-toxigénico, foi resistente à rifampicina. No efluente
tratado, apenas foi encontrada resistência à clindamicina, presente em cinco dos 41 isolados, todos de
RT009, não-toxigénico.
Uma análise baseada em SNVs (single-nucleotide variants) após WGS de 31 isolados, clínicos
e de AR, agrupados por ribotipo, revelou uma elevada similaridade genética entre isolados das duas
fontes. A maioria dos grupos filogenéticos obtidos continha estirpes de ambas as fontes, existindo
isolados clínicos e de AR sem distância entre si. Adicionalmente, uma análise in silico da resistência
antimicrobiana revelou a presença de MGEs raramente descritos e nunca antes detetados em estirpes
europeias de C. difficile, como um plasmídeo num isolado de afluente, e um MGE contendo o gene
ermB num isolado clínico e noutro de efluente tratado. A presença destes elementos evidencia a troca
genética ativa via transferência horizontal de genes que ocorre dentro do intestino do hospedeiro e na
ETAR, constituindo um risco para a disseminação de resistências a antibióticos no meio ambiente.
Finalmente, a análise de isolados clínicos de C. difficile evidenciou a mudança na epidemiologia
da CDI, com maior prevalência de ribotipos normalmente encontrados no meio ambiente.
Adicionalmente, salientou a reemergência do hipervirulento RT027 em Portugal. Foi demonstrado que
a vigilância de C. difficile em AR pode contribuir para o entendimento da epidemiologia de CA-CDI,
estando presentes estirpes de C. difficile toxigénicas, e não-toxigénicas, com resistências a
antimicrobianos passíveis, ou não, de ser usados no tratamento da CDI. Considerando a epidemiologia
da CDI, e os resultados muito preliminares deste estudo relativamente às AR, torna-se necessária uma
investigação mais profunda de reservatórios ambientais de C. difficile, no contexto One Health.
Clostridioides difficile is an anaerobic, spore-producing bacterium that colonizes the human gut. After a disruption of the colonic microbiota, often due to antibiotic use, symptoms are triggered. Infection by C. difficile (CDI) is a major cause of healthcare-associated diarrhea, raising concern in community settings. This study investigated CDI epidemiology in Portugal, analyzing clinical isolates from Portuguese hospitals and environmental isolates from a Portuguese wastewater treatment plant (WWTP). A total of 384 clinical isolates and 140 wastewater isolates (99 influent, 41 effluent) were recovered. No C. difficile was detected in water for reuse (ApR) samples, suggesting treatment efficacy. Among clinical samples, 92 ribotypes were identified, with RT106 and RT014/020 predominating. An outbreak of multidrug-resistant RT027 was reported, linked to the VanRCd Thr115Ala mutation in vanR, not previously described in Portugal. Antimicrobial susceptibility testing (AST) of clinical isolates revealed resistance to clindamycin (21.4%), moxifloxacin (15.6%) and rifampicin (6.5%), all susceptible to vancomycin and metronidazole. C. difficile was recovered in 100.0% of influent and 87.5% of effluent samples. Thirty-three ribotypes were uncovered, with RT014/020 and RT106 predominating, mirroring clinical findings. The AST profile of wastewater isolates was similar to clinical isolates, in both influent and effluent samples. Ribotypes commonly found in humans were prevalent in wastewater, indicating possible environmental transmission. Whole-genome sequencingbased analysis revealed high genetic similarity between clinical and wastewater isolates, with some differing by only one single-nucleotide variant. Novel mobile genetic elements were identified in both clinical and wastewater isolates, suggesting active horizontal gene transfer and emphasizing the environmental risk that C. difficile strains recovered from wastewater may pose. This study highlights the need for C. difficile monitoring in urban wastewaters to better understand the epidemiology of community-associated infections, and its findings reinforce the importance of considering C. difficile as a One Health issue, integrating human, environmental and animal health perspectives.
Clostridioides difficile is an anaerobic, spore-producing bacterium that colonizes the human gut. After a disruption of the colonic microbiota, often due to antibiotic use, symptoms are triggered. Infection by C. difficile (CDI) is a major cause of healthcare-associated diarrhea, raising concern in community settings. This study investigated CDI epidemiology in Portugal, analyzing clinical isolates from Portuguese hospitals and environmental isolates from a Portuguese wastewater treatment plant (WWTP). A total of 384 clinical isolates and 140 wastewater isolates (99 influent, 41 effluent) were recovered. No C. difficile was detected in water for reuse (ApR) samples, suggesting treatment efficacy. Among clinical samples, 92 ribotypes were identified, with RT106 and RT014/020 predominating. An outbreak of multidrug-resistant RT027 was reported, linked to the VanRCd Thr115Ala mutation in vanR, not previously described in Portugal. Antimicrobial susceptibility testing (AST) of clinical isolates revealed resistance to clindamycin (21.4%), moxifloxacin (15.6%) and rifampicin (6.5%), all susceptible to vancomycin and metronidazole. C. difficile was recovered in 100.0% of influent and 87.5% of effluent samples. Thirty-three ribotypes were uncovered, with RT014/020 and RT106 predominating, mirroring clinical findings. The AST profile of wastewater isolates was similar to clinical isolates, in both influent and effluent samples. Ribotypes commonly found in humans were prevalent in wastewater, indicating possible environmental transmission. Whole-genome sequencingbased analysis revealed high genetic similarity between clinical and wastewater isolates, with some differing by only one single-nucleotide variant. Novel mobile genetic elements were identified in both clinical and wastewater isolates, suggesting active horizontal gene transfer and emphasizing the environmental risk that C. difficile strains recovered from wastewater may pose. This study highlights the need for C. difficile monitoring in urban wastewaters to better understand the epidemiology of community-associated infections, and its findings reinforce the importance of considering C. difficile as a One Health issue, integrating human, environmental and animal health perspectives.
Description
Tese de Mestrado, Microbiologia Aplicada, 2024, Universidade de Lisboa, Faculdade de Ciências
Keywords
Clostridioides difficile Vigilância de CDI em Portugal Águas residuais urbanas CA-CDI Suscetibilidade antimicrobiana Teses de mestrado - 2024
