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Authors
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Abstract(s)
A perturbação do uso do álcool (PUA) é uma condição crónica caracterizada pelo consumo
excessivo de álcool apesar das consequências adversas, resultando em diversos problemas físicos,
mentais, e sociais, com implicações a longo prazo na saúde dos indivíduos que dela sofrem. Pensa-se
que o risco para o desenvolvimento de PUA está associado a um conjunto de fatores biológicos e sociais
e que a condição é perpetuada por um ciclo de intoxicação, consumo excessivo e frenético, privação e
desejo. Este ciclo envolve alterações em vários circuitos cerebrais, incluindo os associados com a
recompensa e motivação, controlo executivo, processamento de emoções, atribuição de importância, e
interocepção.
Atualmente, o diagnóstico de PUA considera apenas o historial clínico do paciente e, apesar de
permitir distinguir categorias de acordo com a gravidade, este sistema não considera a heterogeneidade
existente dentro da mesma categoria, nem os fatores de risco individuais e alterações neurobiológicas
subjacentes. Estas limitações dificultam o estabelecimento de planos de tratamento personalizados de
acordo com a gravidade da condição e o risco de recaída individual.
O potencial de obter um diagnóstico automatizado e objetivo de condições psiquiátricas tem
sido exponencialmente explorado através de métodos de aprendizagem automática (AA), incluindo na
PUA. Para tentar caracterizar totalmente a condição, a classificação multimodal permite considerar
simultaneamente fatores genéticos e sociais individuais com alterações cerebrais estruturais e funcionais
que têm sido consistentemente observadas na PUA por imagem por ressonância magnética (RM). No
entanto, não está estabelecido se a classificação multimodal oferece um aumento significativo da
exatidão no diagnóstico de PUA comparativamente com modalidades individuais. Para além disso, até
agora, nenhum estudo incluiu alterações da conectividade funcional durante uma tarefa de cue-reactivity
na classificação multimodal de PUA.
Neste contexto, foi implementada uma estratégia de classificação multimodal com o objetivo de
classificar PUA numa amostra de 211 pacientes diagnosticados com PUA recém-abstinentes e 173
controlos saudáveis, estando os dois grupos equilibrados relativamente à idade e ao género. Os
participantes tinham sido previamente recrutados no âmbito de sete estudos conduzidos pelo Central
Institute of Mental Health, em Mannheim, tendo sido recolhidos diversos dados sociodemográficos e
clínicos. Para todos os participantes, foram recolhidas imagens de RM do cérebro estruturais e
funcionais, estas últimas durante um paradigma de cue-reactivity, que consiste na exibição de blocos de
imagens de bebidas alcóolicas alternados com blocos de imagens neutras. Para criar o modelo, foram
incluídas variáveis preditivas extraídas das imagens de RM e variáveis demográficas/clínicas, num total
de cinco modalidades distintas. A mesma estratégia foi também aplicada a um subconjunto da amostra
inicial para prever a ocorrência de recaída ao fim de 90 dias após a admissão na clínica, consistindo em
63 participantes que recaíram e 58 que se mantiveram abstinentes.
Foram incluídas variáveis demográficas/clínicas relativas à idade, género, índice de massa
corporal, hábitos tabágicos, nível de educação, atividade profissional, estado civil, habitação, e índices
de depressão e ansiedade. Para a amostra destinada à previsão de recaída, foram ainda incluídas variáveis
clínicas relativas ao consumo de álcool. Através das imagens de RM estruturais, foram extraídas medidas de atrofia ao nível do volume de substância cinzenta e da espessura cortical, numa abordagem
de voxel-based morphometry e surface based-morphometry, respetivamente, recorrendo-se ao software
CAT12 para o processamento e análise das imagens. Para cada participante, obteve-se o volume médio
de substância cinzenta em cada uma das 166 regiões definidas pelo atlas Automated Anatomical
Labeling 3 (AAL3), bem como a espessura cortical média em cada uma de 360 regiões definidas pelo
atlas Human Connectome Project. As imagens de RM funcionais foram preprocessadas com recurso ao
software CONN, que foi ainda utilizado para extrair medidas de mudanças de conectividade funcional
causadas pela exibição das imagens de bebidas alcoólicas e imagens neutras. Especificamente, efetuouse uma análise de interações psicofisiológicas generalizadas (gPPI) e obteve-se, para cada participante,
uma matriz de conectividade entre 140 regiões cerebrais definidas pelo atlas AAL3. Para comparar a
atividade cerebral durante a exibição de estímulos de álcool relativamente a estímulos neutros, foram
produzidos mapas de contraste com recurso ao software SPM12, que foram redimensionados para que
a dimensão de cada voxel fosse de 10 mm3
, reduzindo o número de preditores no modelo.
Cada um dos quatro tipos de variáveis extraídos das imagens de RM foi ainda sujeito a análises
estatísticas, para avaliar a existência de diferenças significativas entre os grupos (entre participantes com
PUA e controlos, e entre participantes com recaída e abstinentes) ao nível do volume de substância
cinzenta, espessura cortical, atividade cerebral durante a exibição dos estímulos e alterações da
conectividade funcional na mesma tarefa. Estas análises foram apenas de caráter exploratório.
As cinco modalidades foram combinadas através de multiple kernel learning, com support
vector machine (SVM) como modelo de aprendizagem base. Para os dados de cada modalidade foi
calculado o respetivo kernel, sendo posteriormente linearmente combinados num kernel misto, utilizado
para treinar o modelo de SVM. Para validar o modelo, foi aplicada uma estratégia de 10-fold crossvalidation estratificada, incluindo duas outras semelhantes encaixadas na primeira e aplicadas aos dados
de treino de cada repartição, de forma a otimizar os hiper-parâmetros da SVM e as contribuições de cada
modalidade no kernel combinado. O algoritmo de SVM foi implementado com a toolbox LIBSVM em
MATLAB. Para além do modelo combinado, as modalidades foram introduzidas separadamente em
modelos de SVM para comparação. Os modelos foram avaliados em termos de exatidão, sensibilidade,
especificidade, e exatidão ponderada. Para estimar a importância de cada variável preditiva individual,
dentro de cada modalidade, na prestação dos modelos, foi introduzido um modelo de random forests e
selecionadas as variáveis que resultaram num maior erro do classificador quando as observações foram
permutadas aleatoriamente.
Quanto às análises de grupo das modalidade de RM, observou-se uma redução generalizada do
volume de substância cinzenta e da espessura cortical nos pacientes com PUA relativamente aos
controlos. Estas alterações estruturais foram particularmente notáveis em regiões frontais, incluindo nos
córtices dorsolateral e medial pré-frontal e no córtex orbitofrontal e, no caso do volume de substância
cinzenta, ainda em regiões talâmicas. No entanto, esta atrofia estrutural foi também observada em
regiões não tipicamente associadas com PUA, incluindo regiões temporais e parietais e, no caso do
volume de substância cinzenta, ainda no cerebelo. A atrofia foi também observada nos pacientes com
recaída relativamente aos abstinentes, principalmente em regiões temporais e frontais, incluindo no lobo
temporal medial e no córtex orbitofrontal. No entanto, estas alterações foram menos significativas do
que na amostra anterior. Relativamente às imagens funcionais, observaram-se alterações na
conectividade funcional durante a observação de estímulos de álcool comparativamente a estímulos
neutros, nos pacientes com PUA relativamente aos controlos, e nos pacientes com recaída relativamente
aos abstinentes. Estas alterações envolveram principalmente núcleos talâmicos, o córtex pré-frontal
medial e o córtex orbitofrontal, embora sendo menos significativas do que as alterações estruturais.
Os modelos treinados com as modalidades individuais distinguiram com exatidão ponderada
significativa entre pacientes com PUA e controlos, exceto o modelo treinado com as variáveis de gPPI,
cuja exatidão ponderada não foi significativa. A exatidão ponderada mais alta foi obtida pelas variáveis demográficas/clínicas (85.0%), seguida das variáveis de RM estrutural (68.4% pelo volume de
substância cinzenta e 68.2% pela espessura cortical). Para as primeiras, as variáveis relacionadas com
os hábitos tabágicos e com sintomas de depressão e ansiedade foram as mais contributivas para a
prestação do modelo. Para as segundas, as regiões frontais, temporais e parietais foram as mais
relevantes, estando vastamente de acordo com as observações das análises de grupo. Para o modelo
treinado com os mapas de contraste (exatidão ponderada de 61.0%), regiões frontais, temporais e
occipitais foram as mais contributivas.
Combinar as modalidades num modelo multimodal para classificação de PUA resultou numa
exatidão ponderada de 86.6%, um ligeiro aumento face à modalidade individual com a melhor prestação,
à qual foi atribuído o maior peso no modelo combinado. As variáveis de gPPI foram a modalidade menos
contributiva, sendo sempre excluídas do modelo. Combinando as modalidades de RM, o modelo obteve
uma exatidão ponderada de 71.6%, sendo ligeiramente superior à obtida pelo modelo treinado apenas
com as modalidades de RM estrutural (70.2%).
Relativamente à previsão de recaída, nenhum dos modelos treinados individualmente com as
modalidades, nem o modelo combinado, obtiveram exatidão ponderada significativa. Estes resultados,
juntamente com as observações das análises de grupo para esta amostra, sugerem que nenhuma das
modalidades refletiu características significativamente distintas entre os dois grupos.
Em suma, este trabalho ilustrou como a exatidão de modelos de AA para diagnóstico de PUA
pode estar limitada por características intrínsecas dos dados, quando são aplicadas metodologias
rigorosas e estabelecidas. Apesar das variáveis demográficas/clínicas terem obtido uma elevada
exatidão, as variáveis de RM, mais objetivas, ficaram aquém do que será aceitável para uma ferramenta
clínica, mesmo quando combinadas, sendo que o benefício obtido pela inclusão das imagens funcionais
não compensará os custos e tempo adicionais da recolha e processamento destes dados. Ainda assim, a
informação contida nas imagens de RM sugere que futura pesquisa investigue o papel de regiões não
tipicamente associadas com PUA. Futuramente, os modelos desenvolvidos deveriam ser testados numa
amostra independente e outras variáveis preditivas poderiam ser incluídas.
Alcohol use disorder (AUD) is a chronic, relapsing disorder characterized by excessive alcohol use despite adverse consequences, as part of a cycle of intoxication, bingeing, withdrawal, and craving. As a complex disorder, AUD has shown implications on different levels of brain structure and function, observed through magnetic resonance imaging (MRI). Over the past years, the possibility to provide an automated and objective diagnosis for psychiatric disorders through machine learning (ML) has been increasingly explored. However, it remains unclear whether combining different modalities significantly improves the classification. For this purpose, a multimodal classification scheme was implemented to classify AUD in a sample of 211 patients and 173 age- and gender-matched healthy controls. The predictors included demographic/clinical and neuroimaging features: the average regional gray matter volume (GMV) and cortical thickness (CT) derived from structural MRI, and contrast maps and measures of functional connectivity changes derived from functional MRI during a cue-reactivity task. The modalities were combined through multiple kernel learning, choosing support vector machine as the base learner, and using nested cross-validation for hyperparameter and kernel weight optimization. The classifier achieved 86.6% balanced accuracy, outperforming the highest-scoring individual modality, the demographic/clinical features, by 1.6%. Within neuroimaging predictors, structural features obtained the highest balanced accuracy (68.4% for GMV and 68.2% for CT). The most contributing features included mainly frontal and thalamic regions, but also temporal, parietal, and cerebellar regions. The same classification scheme was applied to predict 90-day relapse in a subsample of the original participants, consisting of 63 relapsers and 58 abstainers, though neither individual modality nor the multimodal classifier achieved significant prediction accuracy. This work highlights how the accuracy of ML-based diagnosis of AUD might be limited when rigorous and well-established methods are applied, while propelling future research to investigate the role of brain regions not typically associated with addiction.
Alcohol use disorder (AUD) is a chronic, relapsing disorder characterized by excessive alcohol use despite adverse consequences, as part of a cycle of intoxication, bingeing, withdrawal, and craving. As a complex disorder, AUD has shown implications on different levels of brain structure and function, observed through magnetic resonance imaging (MRI). Over the past years, the possibility to provide an automated and objective diagnosis for psychiatric disorders through machine learning (ML) has been increasingly explored. However, it remains unclear whether combining different modalities significantly improves the classification. For this purpose, a multimodal classification scheme was implemented to classify AUD in a sample of 211 patients and 173 age- and gender-matched healthy controls. The predictors included demographic/clinical and neuroimaging features: the average regional gray matter volume (GMV) and cortical thickness (CT) derived from structural MRI, and contrast maps and measures of functional connectivity changes derived from functional MRI during a cue-reactivity task. The modalities were combined through multiple kernel learning, choosing support vector machine as the base learner, and using nested cross-validation for hyperparameter and kernel weight optimization. The classifier achieved 86.6% balanced accuracy, outperforming the highest-scoring individual modality, the demographic/clinical features, by 1.6%. Within neuroimaging predictors, structural features obtained the highest balanced accuracy (68.4% for GMV and 68.2% for CT). The most contributing features included mainly frontal and thalamic regions, but also temporal, parietal, and cerebellar regions. The same classification scheme was applied to predict 90-day relapse in a subsample of the original participants, consisting of 63 relapsers and 58 abstainers, though neither individual modality nor the multimodal classifier achieved significant prediction accuracy. This work highlights how the accuracy of ML-based diagnosis of AUD might be limited when rigorous and well-established methods are applied, while propelling future research to investigate the role of brain regions not typically associated with addiction.
Description
Tese de Mestrado, Engenharia Biomédica e Biofísica, 2024, Universidade de Lisboa, Faculdade de Ciências
Keywords
Perturbação do uso do álcool Classificação multimodal Imagem por ressonância magnética funcional Análise morfométrica voxel-a-voxel Teses de mestrado - 2024