Origem e evolução das estruturas militares romanas

Abstract

Esta tese pretende ser uma análise crítica das origens e dos processos de estabilização dos paradigmas militares do exército romano, procurando articular o seu desenvolvimento com os múltiplos contextos bélicos, políticos e socioeconómicos que moldaram o seu aparecimento. Identificámos cinco grandes paradigmas, embora consideremos que o núcleo fundamental da análise do seu desenvolvimento bélico deva, pelo peso histórico que lhe conferiu, ser lido sempre a partir do dinamismo de maior aproximação ou rejeição do idiossincrático modelo da grande legião manipular. É, pois, possível caracterizar na evolução sistémica multisecular do exército romano diferentes períodos, como: A) Um período inicial em que se pode identificar uma assimilação do modelo da falange de perfil greco-etrusco; surge durante o período monárquico e primeira fase da República. B) Aparecimento do dinâmico modelo tático da legião manipular; surge durante a República e adquire estabilidade após a primeira metade do século III a.C. C) A profissionalização do exército e o aparecimento da legião coortal que privilegia a dinâmica centurial; surge após a reforma de Gaio Mário em 106 a.C. e durante o Alto Império. D) O aparecimento do grande sistema proto estático dos delimitadores (limitaneii); surge com o imperador Diocleciano durante a fase inicial do Baixo-Império. E) O aparecimento do sistema palatino-comitatense onde se dá o abandono definitivo do modelo da grande legião e o incremento da cavalaria com a perda da coesão tática da infantaria pesada, gerando uma sistemática inconsistência estrutural nas grandes formações que, a partir de então, se organizam numa mera justaposição de vexilações e destacamentos; surge com o imperador Constantino durante a fase final do Baixo-Império. Para auxiliar nesta nossa análise crítica de longa duração recorremos, sempre que possível, a processos interpretativos que procuraram respaldar-se em elementos estatísticos, surgidos amiúde ao longo deste trabalho sob a forma de quadros e tabelas, pois o Estado da Arte sobre a temática chegou a uma tal efetividade de contributos que permite uma tal abordagem cronológica e quantitativa. Embora, para fundamentar os processos interpretativos, o historiador tenha sempre que recorrer ainda a formulações explicativas de índole pessoal, o contributo trazido pela estatística pode, e deve, sustentar uma abordagem com bastante maior rigor e objetividade. A inclusão na abordagem histórica de elementos com expressão numérica que afirmam determinadas realidades práticas, próprias da guerra, como o cômputo de batalhas num determinado período, bem como o número de vitórias e derrotas, a tipologia dos seus adversários, os quantitativos de efetivos implicados, a frequência dos confrontos, os locais onde se deram, trazem à colação a perspetiva de se formular uma interpretação histórica mais fundamentada e segura. Seria naturalmente impossível retirar todas as consequências dos inúmeros elementos estatísticos compendiados nesta tese, pois antes de mais, estes cumpriram o objetivo de nos fornecer referências para a caracterização da atividade do exército romano que pretendíamos focar, mas estamos convencidos que, a disponibilização destes dados numa estrutura sistemática em forma de quadros cronológicos precisos, poderá vir a auxiliar à realização de futuros trabalhos sobre esta temática. Foi mesmo, em determinadas matérias, este respaldo estatístico que nos permitiu, pela surpresa dos seus elementos, a ousadia para defender determinadas interpretações explicativas que sabemos irem ao arrepio de algumas formulações historiográficas consagradas e universalmente aceites. Sem espaço ou necessidade de fazer aqui um elenco sistemático destas, salientaríamos, no entanto, a complexa análise crítica ao que comumente tem sido aceite como a orgânica de combate e modo de funcionamento tático da legião manipular. Sendo este o paradigma fundamental da estrutura militar romana, tão idiossincrático e original que jamais pôde ser emulado por outra qualquer realidade marcial na antiguidade, procurámos demonstrar que a poderosa dinâmica tática da triplex accies não poderia ser assegurada pela errónea articulação livre, aberta e descoordenada dos manípulos pela qual é habitualmente caracterizada. Não tendo pretendido apenas abordar a complexidade desta temática avaliando o rol das inúmeras impossibilidades táticas que encontrámos no modelo explicativo tradicional, procurámos apresentar uma outra dinâmica que, em função do bom senso militar e dos escassos elementos coevos que nos chegaram, pudesse suportar com mais efetividade o que poderia ter sido o real sistema de combate da legião. Deveremos também salientar que na parte final deste trabalho decidimos igualmente integrar de forma mais desenvolvida, três temáticas que, ao longo da sua realização, surgiram como importantes elementos de análise que subjaziam discretamente como intervenientes invisíveis que impuseram condicionalismos práticos que moldariam o fluir histórico. Explorámos assim problemáticas às quais consideramos que não tem sido atribuída, pelo menos até agora, a relevância historiográfica que mereceriam, nomeadamente os que concernem à necessidade de avaliar as especificidades técnicas do transporte assegurado pela locomoção animal, bem como a tipologia, o estado circunstancial e os processos administrativos de manutenção dos milhares de quilómetros das vias romanas. Finalmente as consequências da surpresa e consequente exaustão tática que foi provocada em todo o contexto militar do ocidente, quer dos povos germânicos, quer do Império Romano tardio, pela chegada do esmagador modelo da guerra a distância imposto pelas incomuns capacidades de arquearia trazidas pelos nómadas, primeiro pelas hordas hunas e logo depois pelas invasões dos Avaros.

This thesis aims to be a critical analysis of the origins and stabilization processes of the military paradigms of the roman army, seeking to articulate its development with the multiple military, political and socio-economic contexts that shaped its appearance. We have identified five major paradigms, although we consider that the fundamental core of the analysis of its military development must, due to the historical weight it gave it, always be read from the dynamism of closest approximation or rejection of the idiosyncratic model of the great manipular legion. It is therefore possible to characterize different periods in the multi-secular systemic evolution of the roman army, such as: A) An initial period in which one can identify an assimilation of the phalanx model with a Greco-Etruscan profile; it appears during the monarchical period and the first phase of the Republic. B) Appearance of the dynamic tactical model of the manipular legion; arises during the Republic and acquires stability after the first half of the 3rd century BC. C) The professionalization of the army and the emergence of the cohortal legion that favors centurial dynamics; it appears after the reform of Gaius Mário in 107 BC and during the High Empire. D) the appearance of the great proto-static system of delimiters (limitaneii); arises with Emperor Diocletian during the initial phase of the Late Empire. E) The appearance of the palatino-comitatense system, where the model of the great legion was definitively abandoned and the cavalry increased with the loss of tactical cohesion of the heavy infantry, generating a systematic structural inconsistency in the large formations that, from then on, were organized in a mere juxtaposition of vexilations and detachments; appears with Emperor Constantine during the final phase of the Late Empire. To assist in our long-term critical analysis, we resorted, whenever possible, to interpretative processes that sought to be supported by statistical elements, which often appeared throughout this work in the form of tables since the state of the art on the subject has reached to such an effectiveness of contributions that allows such a chronological and quantitative approach. Although, to support interpretative processes, the historian always has to resort to explanatory formulations of a personal nature, the contribution brought by statistics can, and should, support an approach with much greater rigor and objectivity. The inclusion in the historical approach of elements with numerical expression that affirm certain practical realities, typical of war, such as the calculation of battles in a given period, as well as the number of victories and defeats, the typology of opponents, the numbers of personnel involved, the frequency of clashes, the places where they took place, bring to the fore the prospect of formulating a more grounded and secure historical interpretation. It would naturally be impossible to draw out all the consequences of the countless statistical elements compiled in this thesis, because first of all, they fulfilled the objective of providing us with references for characterizing the activity of the Roman army that we intended to focus on, but we are convinced that making these data available in a systematic structure in the form of precise chronological tables could help to carry out future works on this subject. It was even, in certain matters, this statistical support that allowed us, due to the surprise of its elements, the boldness to defend certain explanatory interpretations that we know go against some consecrated and universally accepted historiographical formulations. Without the need to make a systematic list of these here, we would, however, highlight the complex critical analysis of what has commonly been accepted as the organic combat and tactical functioning of the manipular legion. Since this is the fundamental paradigm of the Roman military structure, so idiosyncratic and original that it could never be emulated by any other martial reality in antiquity, we sought to demonstrate that the powerful tactical dynamics of the triplex accies could not be ensured by the erroneous free, open and uncoordinated articulation of maniples by which it is usually characterized. Having not only intended to address the complexity of this issue by evaluating the list of countless tactical impossibilities that we found in the traditional explanatory model, we sought to present another dynamic that, depending on military common sense and the few coeval elements that came to us, could support more effectively what could have been the legion's real combat system. We should also point out that in the final part of this work we also decided to integrate, in a more developed way, three themes that, throughout its realization, emerged as important elements of analysis that discreetly underlay as invisible actors that imposed practical constraints that would shape the historical flow. We have thus explored problems to which we consider that the historiographical relevance they deserve has not been attributed, at least until now, namely those concerning the need to assess the technical specificities of the transport provided by animal locomotion, as well as the typology, the circumstantial state and the administrative processes of maintenance of the thousands of kilometers of Roman roads. Finally, the consequences of the surprise and consequent tactical exhaustion that was caused throughout the Western military context, whether among the Germanic peoples or the Late Roman Empire, by the arrival of the overwhelming model of remote warfare imposed by the unusual archery capabilities brought by the nomads, first by the Hun hordes and soon after by the invasions of the Avars.