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Authors
Abstract(s)
A Península Ibérica (PI) é caracterizada essencialmente por dois tipos de clima. O clima oceânico,
predominante na zona noroeste, é marcado por verões amenos nas regiões costeiras do Atlântico, e
o clima mediterrâneo que é caracterizado por uma significativa variabilidade espacial e temporal de
temperatura e precipitação (Lionello et al., 2012). Essa variabilidade deve-se principalmente ao fato da
PI estar localizada entre duas massas de água contrastantes (Oceano Atlântico e Mar Mediterrâneo) mas
também devido à orografia e às trajetórias das tempestades (Martin-Vide and Gil Olcina, 2001). Assim,
a Iberia apresenta grande variabilidade sazonal e interanual do seu clima (Ruti et al., 2016). No inverno,
o clima é ameno e húmido, dominado principalmente por padrões de larga escala como North Atlantic
Oscilation (NAO), Eastern Atlantic (EA), e com frequentes tempestades provenientes do Atlântico,
enquanto que o verão é habitualmente quente e seco. Espacialmente, a precipitação concentra-se na
costa do Mediterrâneo no outono, o norte e o oeste da PI apresentam um máximo no inverno, e as áreas
interiores na primavera (Martin-Vide and Gil Olcina, 2001).
A variabilidade interanual é representada por anos bastante húmidos, como 2001 e 2010 (VicenteSerrano et al., 2011), intercalados com anos de seca recorde, como os de verão de 2005 e 2012
(García-Herrera et al., 2007; Trigo et al., 2014). A Iberia é considerada um "hot spot" relativamente às
mudanças climáticas devido à sua vulnerabilidade a extremos de temperatura (Cardoso et al., 2019),
secas (Soares et al., 2017) e impactos relacionados. Nesse contexto, eventos extremos podem ser críticos
para os ecossistemas e para as os humanos, pois o aumento das temperaturas devido às alterações
climáticas pode agravar ainda mais as secas, ondas de calor e escassez de água. Vários estudos sobre
as tendências atuais na precipitação já mostram um aumento no número de eventos extremos de
precipitação, ao mesmo tempo que a precipitação anual diminui (De Lima et al., 2013, 2015; Soares
et al., 2017). Eventos de precipitação extrema estão bem documentados na PI (Casanueva et al., 2014),
frequentemente acompanhados por fortes chuvas, inundações e deslizamentos de terra, impactando
significativamente a população local, infraestruturas e economia (Gaspar et al., 2023; Ramos et al.,
2014, 2016). Projeções climáticas para o futuro sugerem que as mudanças climáticas podem aumentar
a frequência e intensidade desses eventos, especialmente na região oeste (Cardoso Pereira et al., 2019).
Vários autores procuram perceber melhor as causas e impactos de eventos extremos de precipitação na
Península Ibérica, recorrendo ao registo histórico de precipitação extrema (Ramos et al., 2014, 2016;
Vicente-Serrano et al., 2010). Por outro lado, outros trabalhos utilizaram modelos climáticos globais ou
regionais e diferentes cenários para estimar mudanças futuras na precipitação extrema sob diferentes
cenários climáticos (Soares et al., 2017, 2023). Em geral, nos cenários climáticos futuros, embora seja
esperada uma diminuição na quantidade anual de precipitação na maior parte do território, quanto mais
intenso for o cenário de emissões, maior será o aumento no número de dias com chuvas intensas, sendo a região norte mais suscetível a chuvas extremas (Soares et al., 2017).
Dada a importancia em compreender tais mecanismos, principalmente num regime de mudança
climática, este estudo focou-se em três tópicos principais:
Em primeiro lugar, classificaram-se eventos extremos de precipitação, com duração variavel, sobre
a PI, seguido por uma análise mais detalhada para cada bacia hidrográfica. Essa análise permitiu a
identificação de eventos de precipitação extrema, incluindo o episódio de novembro de 1997 no sul de
Portugal e Espanha, o evento de março de 2001 no Rio Douro e as inundações de 2008 na região de
Lisboa. Foi apresentada uma abordagem sistemática para avaliar períodos de precipitação extrema na
região da PI, analisando anomalias de precipitação acumulada em vários intervalos de tempo desde a
escala diária à de 10 dias. Eventos persistentes de precipitação podem levar a inundações progressivas
de larga escala e movimentos disruptivos de deslizamentos de terra, com impactos socioeconômicos
significativos.(Zêzere et al., 2014; Trigo, 2005). Assim, a identificação de extremos de precipitação
em diferentes escalas de tempo pode ajudar a entender a possível progressão das inundações. Foi
demonstrado que certos eventos extremos com escalas de tempo mais curtas (por exemplo, 1 a 3 dias)
podem não aparecer nas principais classificações para escalas de tempo mais longas (por exemplo, 7 a
10 dias). Além disso, certos eventos associados a uma bacia hidrográfica específica podem não estar
presentes nas classificações obtidas para as bacias hidrográficas vizinhas, independentemente da escala
de tempo considerada.
A magnitude de um episódio de precipitação é determinada considerando a área (em percentagem) que
apresenta anomalias de precipitação acima de dois desvios-padrão (STD) e os valores médios dessas
anomalias sobre essa área. A metodologia foi aplicada para avaliar períodos de precipitação extrema
em toda a PI e em alguns domínios específicos; Portugal e as seis principais bacias hidrográficas da
PI (Minho, Douro, Tejo, Guadiana, Guadalquivir e Ebro). Através de vários exemplos representativos,
fez-se algumas observações importantes, nomeadamente:
• A metodologia desenvolvida revelou-se útil na identificação de episódios de precipitação extrema
nos vários domínios considerados. Uma vez que os eventos extremos mais referidos na literatura
ocupam lugares cimeiros nos rankings.
• Os principais episódios de precipitação para as seis diferentes bacias hidrográficas são em grande
parte não coincidentes, destacando-se a variabilidade espacial de fenômenos de precipitação extrema na PI.
Ao serem identificados eventos extremos de precipitação, tanto temporalmente como espacialmente,
foram criadas bases de dados para diferentes domínios e escalas de tempo e estas são uma mais valia para
diferentes estudos que visam compreender as causas e consequências de eventos extremos de precipitação. Isso inclui hidrólogos, gestores de recursos hídricos e seguradoras de atividades socioeconômicas
como agricultura e produção de energia hidroelétrica.
O segundo tópico deste trabalho, exposto no capítulo 3 centrou-se nos padrões de transporte de humidade, particularmente nos Rios Atmosféricos (ARs), utilizando um algoritmo de deteção automático de
acordo com parâmetros espaciais e temporais específicos em relação aos dados de Transporte integrado
de vapor de água (IVT) recorrendo a dados de reanálise (ERA-5). O transporte de humidade dos oceanos
para os continentes é um aspeto crucial do ciclo hidrológico atmosférico e representa a principal ligação
entre a evaporação oceânica e a precipitação continental (Peixoto and Oort, 1992; Gimeno et al., 2012).
Em condições extremas, pode ocorrer transporte anómalo de humidade, resultando frequentemente em
eventos extremos de precipitação ao atingir a zona costeira, podendo levar a fortes inundações, com impactos socioeconómicos significativos. Desde que o termo foi adotado há quase três décadas, sabemos que os ARs correspondem a longos e estreitos corredores de vapor de água que fluem na atmosfera terrestre. Estes fenómenos atmosféricos são responsáveis por transportar grandes quantidades de humidade
dos trópicos para as médias latitudes, podendo resultar em eventos significativos de precipitação, inundações e deslizamentos de terra (Gaspar et al., 2023; Liu et al., 2021; Slinskey et al., 2020; Ramos et al.,
2016; Ramos et al., 2014; Liberato et al., 2013). O estudo e compreensão dos ARs representa atualmente
uma área de interesse crescente entre cientistas, gestores de recursos hidrícos e mesmo do público em
geral devido ao seu impacto nos recursos hídricos e em eventos climáticos extremos. Uma análise global
recente sobre o papel dos ARs na condução de extremos hidrológicos revelou que estes sistemas têm
o potencial de causar não apenas inundações extremas em grandes bacias hidrográficas, mas também a
ocorrência de secas quando os ARs estão inativos (Liu et al., 2021). A comunidade científica também
desenvolveu métodos para prever a ocorrência de ARs, o que pode melhorar na gestão da água e a prevenção de inundações. Estudos como Liu (2021), Leung (2009) e Wick (2013) foram conduzidos para
entender a dinâmica, variabilidade e previsibilidade destes fenómenos. Pesquisas recentes sugerem que
a frequência e intensidade dos ARs têm aumentado em algumas regiões do mundo, incluindo a costa
oeste da América do Norte e da Europa (Brands et al., 2017; Ralph et al., 2019; Slinskey et al., 2020).
Alguns estudos revelaram que as interações entre ARs e o sistema climático são complexas e podem ser
influenciadas por vários fatores, como o El Niño-Oscilação Sul (ENSO), a Oscilação de Madden-Julian
(MJO) e as mudanças climáticas (Ralph et al., 2020; Ramos et al., 2015).
Assim, ao longo do terceiro capítulo procedeu-se à identificação dos ARs que afetaram a Península
Ibérica (PI) para período compreendido entre 1959 a 2022, durante os meses de inverno estendido (Outubro a Março). Para atingir esse objetivo, seguiu-se a mesma abordagem utilizada por Ramos (2015),
aplicando um algoritmo de deteção automático de ARs na região oeste da Ibéria, recorrendo a dados
de reanálise (ERA-5). Após identificar os ARs e analisar as suas características, como comprimento,
duração e intensidade, avaliou-se a magnitude da correlação entre a ocorrência de ARs e padrões de
circulação atmosférica em larga escala, como a Oscilação do Atlântico Norte (NAO) ou do Atlântico
Leste (EA). Os resultados indicam que ocorrem, por ano, uma média de 6 ARs. O número de ARs por
mês diminui nos meses após dezembro, com 85 ARs detectados durante esse mês. A maioria dos ARs
(190, 52,5%) durou menos de 24 horas, e o seu comprimento variou entre 2040 e 3360 km. Nos passos
temporais em que existe a ocorrência de ARs, foram observadas anomalias negativas de pressão do nível
do mar (SLP) em torno da Irlanda, enquanto anomalias positivas estavam presentes sobre o norte da
África. Essa configuração de gradiente meridional de SLP facilita o transporte de humidade em direção
à Península Ibérica, estando intimamente associada aos ARs.
No último tópico deste estudo, abordado no capítulo 4, quantifica-se em que medida grandes quantidades
de precipitação estão associadas à presença (ausência) de ARs na região do Atlântico Norte durante o
período de 1959 a 2015, comum a ambas as bases de dados (Precipitação e Reanálise). Para atingir este
objetivo, os ARs foram classificados em diferentes categorias baseadas no trabalho de Ralph (2019). Os
ARs foram classificados com base no valor médio de IVT ao longo do núcleo do AR e respetiva duração
do evento. Consequentemente, estabeleceu-se uma relação entre a categoria atribuída ao rio atmosférico
e a respetiva magnitude do evento de precipitação extrema. É importante enfatizar uma vez mais que,
estando o conjunto de dados de precipitação disponível apenas para o período de 1950 a 2015, a associação entre os dias de precipitação extrema e os ARs será restrita ao período comum (1959-2015).
Os resultados obtidos estão de acordo com a literatura, onde é referida uma uma ligação entre a passagem
de ARs e eventos extremos de precipitação (Gaspar et al., 2023; Ramos et al., 2014; Lavers and Villarini, 2013). Com estes resultados, podemos avaliar essa relação tanto quantitativa como qualitativamente
sobre a PI tendo por base o conjunto de dados mais recente até à data de realização deste estudo. Em jeito de conclusão, com elaboração deste trabalho obtem-se um vasto leque resultados:
• Criou-se um banco de dados abrangente de eventos de precipitação extrema para a Península
Ibérica (PI), abrangendo vários períodos (1 a 10 dias) de 1950 a 2015. Eventos de precipitação
extrema foram estudados para toda a Península Ibérica, Portugal e principais bacias hidrográficas
regionais, com foco no período de inverno estendido (Outubro a Março). A análise revela que certos eventos extremos de curto prazo podem não ocupar posições elevadas em escalas de tempo mais
longas, e eventos destacados numa determinada bacia hidrográfica podem não aparecer nas classificações das bacias vizinhas, independentemente do período considerado. É importante destacar
que os resultados são puramente baseados em estimativas estatísticas e não incluem uma avaliação
dos mecanismos físicos por trás desses episódios extremos.
• Identificou-se os ARs que afetaram a PI no período compreendido entre 1959 a 2022. Para o efeito,
segue-se a mesma abordagem de Ramos (2015), aplicando um algoritmo objetivo de detecção de
ARs na costa oeste da PI recorrendo a dados de reanálise (ERA-5). Após identificar os ARs e
analisar as suas características, como comprimento, duração e intensidade, foram estudados os
padrões de circulação associados a esses eventos.
• Avaliou-se o impacto dos ARs nos eventos de precipitação extrema. Os eventos de ARs são categorizados com base no trabalho de Ralph (2019). Estabeleceu-se uma relação entre as categorias
de AR e a magnitude dos eventos de precipitação extrema associados. Com este trabalho esta
relação foi avaliada quantitivamente e qualitativamente recorrendo ao conjunto de dados mais recente disponível até à data.
O estudo conclui que a ocorrência de ARs têm uma contribuição significativa para eventos extremos
de precipitação na PI, e o seu impacto potencial deve ser considerado ao avaliar e gerir os riscos associados a esses eventos. Os resultados também destacam a importância de analisar os diferentes subdomínios
e escalas de tempo de forma a obter uma melhor compreensão da variabilidade espacial e temporal de
eventos extremos de precipitação associados à passagem de ARs. É importante ter presente que estes
métodos podem ser reproduzidos para qualquer região afetada por ARs e com dados de precipitação de
alta resolução disponíveis (e.g. Chile, Africa do Sul).
Atmospheric rivers (ARs) are responsible for over 90% of poleward water vapor transport in the midlatitudes and can produce extreme precipitation when making landfall. Conclusions about anomalous moisture transport patterns and their contribution to extreme precipitation events (EPEs) over the Iberian Peninsula were achieved. First, the precipitation data is analyzed to obtain a ranking of multi-day extreme precipitation events over the Iberian Peninsula, followed by a more detailed analysis of each river basin. This analysis allowed for the identification of extreme precipitation events, including the November 1997 event in southern Portugal and Spain, the March 2001 episode in River Douro, and the urban floods of 2008 over the Lisbon region. The second division focused on moisture transport patterns, anomalous moisture transport, and ARs occurrence, using an automated detection algorithm according to specific spatial and temporal parameters relative to the integrated vapor transport (IVT) data from 1959-2022 provided by ERA-5 reanalysis. After identifying ARs and analyzing their characteristics, such as length, duration, and intensity, the study focused on circulation patterns associated with these events. Results demonstrate a strong and positive correlation for the East Atlantic (EA) and a negative correlation for the North Atlantic Oscillation (NAO) Quantification of the relationship between ARs and extreme precipitation events was achieved. ARs were classified by categories and associated with EPs magnitudes and, it can be concluded that the most intense ARs cause the most extreme precipitation events. The study further revealed that, sometimes a stronger AR has less impact on precipitation than a weaker one because it didn’t landfall at all or simply had a quick pass by the Iberian Peninsula. A strong correlation was identified between the occurrence of ARs and extreme precipitation events in the Iberian Peninsula, particularly the most severe events. This correlation was observed in both qualitative and quantitative terms, indicating a clear match between the two phenomena. It is important to keep in mind that these findings could be replicated in other locations with comparable datasets and methodologies. The study highlights the importance of understanding the contribution of ARs to extreme precipitation events and its implications for managing the risks associated with these events in the region.
Atmospheric rivers (ARs) are responsible for over 90% of poleward water vapor transport in the midlatitudes and can produce extreme precipitation when making landfall. Conclusions about anomalous moisture transport patterns and their contribution to extreme precipitation events (EPEs) over the Iberian Peninsula were achieved. First, the precipitation data is analyzed to obtain a ranking of multi-day extreme precipitation events over the Iberian Peninsula, followed by a more detailed analysis of each river basin. This analysis allowed for the identification of extreme precipitation events, including the November 1997 event in southern Portugal and Spain, the March 2001 episode in River Douro, and the urban floods of 2008 over the Lisbon region. The second division focused on moisture transport patterns, anomalous moisture transport, and ARs occurrence, using an automated detection algorithm according to specific spatial and temporal parameters relative to the integrated vapor transport (IVT) data from 1959-2022 provided by ERA-5 reanalysis. After identifying ARs and analyzing their characteristics, such as length, duration, and intensity, the study focused on circulation patterns associated with these events. Results demonstrate a strong and positive correlation for the East Atlantic (EA) and a negative correlation for the North Atlantic Oscillation (NAO) Quantification of the relationship between ARs and extreme precipitation events was achieved. ARs were classified by categories and associated with EPs magnitudes and, it can be concluded that the most intense ARs cause the most extreme precipitation events. The study further revealed that, sometimes a stronger AR has less impact on precipitation than a weaker one because it didn’t landfall at all or simply had a quick pass by the Iberian Peninsula. A strong correlation was identified between the occurrence of ARs and extreme precipitation events in the Iberian Peninsula, particularly the most severe events. This correlation was observed in both qualitative and quantitative terms, indicating a clear match between the two phenomena. It is important to keep in mind that these findings could be replicated in other locations with comparable datasets and methodologies. The study highlights the importance of understanding the contribution of ARs to extreme precipitation events and its implications for managing the risks associated with these events in the region.
Description
Tese de Mestrado, Ciências Geofísicas, 2024, Universidade de Lisboa, Faculdade de Ciências
Keywords
Península Ibérica Extremos de Precipitação acumulada Classificação Eventos Extremos Rios Atmosféricos Transporte de humidade Teses de mestrado - 2024